Quando se pensa sobre extraterrestres e alienígenas, a primeira imagem que vem à mente são as formas popularizadas em diversas obras cinematográficas sobre o tema: um alien, de coloração diferente, com uma cabeça protuberante e olhos grandes, que possui, ainda, mesmo que um pouco distante, uma forma “humanoide”. Este é talvez o conceito mais simples, mas as inúmeras formas alienígenas que podem ser observadas em Star Wars e Doctor Who, por exemplo, trazem à mente povos bem caracterizados, civilizações com costumes e culturas diferentes, que de certa maneira possuem uma identidade e algum tipo de organização governamental, por assim dizer.
Solaris, obra clássica da ficção científica contemporânea, conceptualizada pelo escritor polonês Stanislaw Lem e publicada em 1961, apresenta ao leitor uma abordagem um tanto quanto alternativa e não convencional dos alienígenas. A narrativa do livro tem como contexto geral a exploração do planeta de mesmo nome, desvendado por humanos décadas atrás. Solaris foi por vários momentos estudado, analisado, teorizado e discutido por cientistas especialistas no assunto, que desde sua primeira exploração intriga a humanidade sobre o mistério que o rodeia: o planeta é, em quase toda a sua totalidade, composto por um oceano.
Este oceano é o grande causador de divergências entre os cientistas, justamente por nenhum deles conseguir, de forma integral, descobrir detalhes acerca de sua composição, suas intenções e da sua própria existência como um ser vivo ou não. Essa perspectiva foi estranha para mim quando me deparei com as diversas teorias que também estão inclusas na história – e aqui devo ressaltar o primor das descrições de Lem, que são tão criativas que quase não se encontra nenhum referencial para que se entenda de forma simples quais são as teorias chamadas “solarísticas”. Devo dizer de antemão que não é um livro de fácil absorção, porém toda a reflexão filosófica que traz consegue justificar a leitura dessa obra esplêndida.
Um exemplo mais recente, que aborda o contato com seres extraterrestres, é o filme A Chegada (2016), onde as criaturas são tão diferentes do que os humanos esperavam que inusitadamente uma linguista se torna o ponto chave da comunicação com essa espécie, a qual se comunica de uma maneira única, inconcebível ao ser humano de forma crua, sem um estudo aprofundado.
Em Solaris, Kris Kelvin, o protagonista da história, percebe um clima diferente quanto aterrissa no planeta e encontra a equipe perturbada por algum acontecimento misterioso, que descobrimos logo no início do que se trata: de alguma maneira inexplicável, o oceano (que até então tinha sua senciência questionada) criava “clones” da pessoa mais importante e impactante na vida de cada cientista, os condicionando a conviver com essa criatura que ninguém conseguia explicar nada sobre sua origem. Kris encontra sua ex-esposa, que já não era mais viva na Terra. Os outros cientistas se deparam também com figuras que possivelmente causam dor e tristeza, uma vez que a angústia é um dos sentimentos mais explorados na história.
“Nós nos consideramos os cavaleiros do Santo Contato. Essa é uma segunda mentira. Não buscamos nada além de pessoas. Não precisamos de nenhum outro mundo. Precisamos de espelhos. [...] Queremos encontrar a nossa própria imagem idealizada; deve haver corpos celestes com civilizações mais aperfeiçoadas que a nossa; em outros, esperamos novamente encontrar o reflexo de nosso primitivo passado.” (p. 117).
Além de lidar com temas como o luto e o significado do amor, a narrativa nos mostra como é ambicioso e mesquinho o desejo humano de compreender tudo ao seu redor, e que a incapacidade em não atingir um resultado satisfatório, causa ansiedade e um desespero por conhecimento que dificilmente será atingido integralmente. Uma enciclopédia poderia ser criada com a quantidade de pessoas que estudaram o planeta na narrativa, e nem isso seria capaz de encapsular todas as possibilidades de explicação para aquele oceano tão intrigante. O leitor aprende muito com isso, deixando um pouco de lado o modo “detetive” ao observar com um olhar mais profundo e aberto o quão minúsculo é o ser humano e seus ideais nesse contexto de viagem interplanetária.
Com Solaris, aprendi muito sobre aceitar a nossa pequenez enquanto seres vivos. Não somos especiais e nem “a espécie superior”. Há tanto que o ser humano não sabe e nem está perto de descobrir... Este ponto de vista é necessário para que possamos entender, de uma vez por todas, que o homo sapiens também possui suas limitações, assim como os animais terrestres, que por não serem racionais, são considerados inferiores. Assim como visto em Solaris, o oceano seria apenas uma forma de inteligência cuja complexidade é superior à capacidade da nossa espécie de descobrir seus segredos. No romance, esse oceano misterioso támbém não faz nenhuma questão de ser compreendido, e muito menos tem o interesse de tentar se comunicar com meros humanos, que não conseguem nem de perto compreender sua grandeza como um ser vivo senciente daquele planeta tão distante.
Solaris é bom demais, né? Gostei muito do seu texto e das referências, mais uma vez :)