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Foto do escritorDanilo Heitor

A ficção entre nós

Danilo Heitor











O sucesso mundial da série “Black Mirror” (2011) colocou em discussão um tema nem sempre tão visível, mas muito presente, na ficção científica: as implicações das novas tecnologias no cotidiano de pessoas comuns. Não faltam filmes ou livros com essa perspectiva, mas qualquer busca de imagens pelo termo “ficção científica” no Google retorna majoritariamente imagens de robôs, naves espaciais e alienígenas, os grandes temas do gênero.


Pensar a tecnologia o nosso dia a dia é um exercício que sempre me interessou. É comum associarmos tecnologia à novos aparelhos eletroeletrônicos, mas a história da humanidade traz inúmeros exemplos muito anteriores a eles. Você consegue imaginar a primeira vez que alguém usou um óculos? E o impacto da invenção da descarga hidráulica? Coisas sobre as quais não pensamos muito hoje, mas tecnologias que impactaram enormemente a vida das pessoas quando surgiram. Uma pesquisa rápida sobre a história do vaso sanitário nos traz uma boa dimensão do que essa tecnologia significou para o cotidiano. Até o século XIX, era comum no Brasil simplesmente atirar sacolas de cocô pela janela. O vaso sanitário ligado ao sistema de esgotos mudou completamente a vida urbana.


Gosto de obras de ficção que imaginam futuros a partir dessa premissa. No super clássico “Robocop” (1987), o uso do corpo de um policial em estado vegetativo para dar vida a um transumano que vigia a cidade, com atributos de androide e crises existenciais humanas, coloca em questão não só a segurança pública em grandes cidades como a superexploração do trabalho. Já no recente “The Pod Generation” (2023), filme que assisti durante uma viagem de avião, há a invenção de um ovo que faz a função de útero, permitindo que casais dividam a gestação de seus filhos. Nesse futuro, as mulheres podem escolher ter filhos “da forma antiga” ou não, e as questõess da maternidade e da igualdade de gênero são colocadas em discussão. Apesar de não se aprofundar muito em nenhuma delas, o filme provoca um debate bem interessante.


Nos dois casos citados, a tecnologia ficcional é eletroeletrônica. Mas nem sempre precisa ser. Na trilogia “Xenogênese” (1987-1989), por exemplo, da autora americana Octavia Butler, somos apresentados aos oankali, uma raça alienígena cuja nave espacial é um organismo vivo. Não só isso: a grande questão dos oankali nos três livros é a permuta genética, da qual eles são capazes naturalmente e em torno da qual desenvolvem diversas tecnologias. Além dela, podemos falar também em uma tecnologia reprodutiva e social: os oankali tem três sexos, sendo impossível constituir uma família e procriar sem a presença de uma criatura ooloi, o terceiro deles.


A discussão sobre o cotidiano, entretanto, não é exclusividade das obras que focam nela. Mesmo nas grandes franquias da ficção, podemos encontrar debates sobre as mudanças causadas pelas novas tecnologias. Em “Star Trek” (1966), por exemplo, a invenção do replicador, aparelho capaz de duplicar qualquer coisa, praticamente acaba com a necessidade do trabalho humano — isso, claro, sem considerar a guerra de classes. E é aí que mora um dos grandes problemas da franquia, pra mim: como chegamos a um cotidiano sem classes partindo de um mundo baseado na dominação de uma classe sobre outra? Dentro desse debate, gosto mais do exercício feito pela autora americana Ursula K. Le Guin em “Os despossuídos” (1974). No livro, o planeta Anarres, uma lua de Urrás, não tem classes, fronteiras ou exploração do trabalho alheio. A própria palavra “propriedade” não existe na língua local. E as relações que se desenvolvem a partir disso tudo fazem do livro uma reflexão deliciosa sobre a sociedade.


Encerro esta coluna, ainda dentro do tema, com um merchan de leve: está em pré-venda pela editora Folheando meu quarto livro de ficção, “Quase agora”, uma coleção de 25 contos que brincam justamente com novas invenções que modificam o cotidiano. Como seria se os celulares pudessem transmitir cheiros? E se uma IA geradora de roteiros para plataformas de streaming entrasse em greve?


A pré-venda vai até 08 de agosto, e se você comprar dentro desse período ganha um conto exclusivo escrito por mim a partir de uma ideia sua. O lançamento está agendado para o dia 24 do mesmo mês. Se você, assim como eu, gosta de discutir os impactos da tecnologia sobre as nossas vidas, fica o convite para conhecer o livro.


Pra terminar mesmo, deixo uma pergunta: que tipo de invenção mudaria pra sempre o seu cotidiano?


Vou adorar trocar essa ideia com vocês nos comentários!



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2 Comments


Guest
Jul 31

Interessante a forma como você mostra os impactos de diferentes tecnologias no cotidiano, e as referências de obras de ficção que trazem essas discussões. Até fiquei curioso para ler Xenogênese e Os Despossuídos. E sobre qual invenção mudaria meu cotidiano: alguma máquina que me permitisse ter mais tempo para ler mais e reter todas as informações lidas rs. Parabéns pela reflexão!

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hahaha seria tipo uma máquina de leitura en velocidade 1,5x ou 2x, tipo os áudios de whatsapp?

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