top of page
  • Instagram

A gênese da fantasia no "Belo Reino" segundo Tolkien

Volnei











A fantasia, como gênero literário, é muitas vezes associada a elementos mágicos e mundos imaginários. Todavia, para J. R. R.Tolkien (1892 - 1973), sua origem e propósito transcendem o puro escapismo. No ensaio intitulado Sobre Histórias de Fadas, escrito no mesmo período em que criava O Senhor dos Anéis, Tolkien reflete sobre contos de fadas e o que considera (ou não), a partir de uma perspectiva pessoal e peculiar, a natureza do Belo Reino enquanto essência da fantasia. 


O conceito de Belo Reino, tratado ao longo do ensaio muitas vezes como uma instituição real, encapsula a arte não como magia e sim como encantamento, além da verdade e da esperança que tem a nos oferecer. Veremos que, por meio de sua visão, Tolkien redefine o valor das histórias de fadas e demonstra como elas são essenciais à condição humana.


Segundo o autor,


“O Encantamento produz um Mundo Secundário no qual podem entrar tanto o planejador quanto o espectador para satisfação de seus sentidos enquanto estão dentro; mas em estado puro ele é artístico por desejo e propósito” (TOLKIEN, 2010, p.60). 

O Belo Reino traduz-se ao leigo como uma dimensão onde a imaginação reina soberana, um lugar onde as histórias de fadas habitam. Não qualquer fábula moral, aventura, sonho descrito, história infantil ou sobre seres de natureza mágica. 


Não se limita ao conceito de reino encantado: espaço metafísico a transcender o ordinário. Nele, a fantasia não é apenas um meio de fuga, mas uma forma de redescobrimento do mundo, sob uma nova perspectiva. Esse reino simboliza a capacidade de ver a realidade através de lentes transformadoras onde, em nossa percepção, beleza, bondade, verdade entrelaçam-se em harmonia.


A fantasia, quando bem executada, permite vislumbrar - quiçá adentrar! - o reino. 

Não apenas como um refúgio dos horrores do mundo moderno, mas como uma maneira renovada de confrontar a realidade, uma redescoberta do maravilhoso existente em nosso cotidiano. 


Tal qual luneta mágica, que nos possibilita recuperar o "olhar puro" sobre essa mesma realidade, obscurecida pela banalidade e pelo cinismo da vida adulta (denominada por aqueles que nela se encontram, e a ela se agarram, de maturidade). 


“[...] no uso corrente do termo as histórias de fadas não são histórias sobre fadas ou elfos, mas sim sobre o Belo Reino, Faërie, o reino ou estado no qual as fadas existem. O Belo Reino contém muitas coisas além de elfos, fadas, anões, bruxas, trolls, gigantes ou dragões. Contém os oceanos, o Sol, a Lua, o firmamento e a terra, e todas as coisas que há nela: árvore e pássaro, água e pedra, vinho e pão, e nós, os homens mortais, quando estamos encantados” (TOLKIEN, 2010, p.15). 

Assim, ao aceitar o convite para adentrá-lo, retornará ao mundo real com uma renovada apreciação da vida: o encantamento que a essência da fantasia produz redescobre o maravilhamento e o mistério intrínseco às coisas comuns. 


Com licença poética, diria também a valores básicos como amizade, coragem, honra e toda sorte de referências utilizadas em aventuras épicas de RPG, ainda que o debate sobre a existência de valores ditos universais, gerasse uma enciclopédia (provavelmente sem chegar a uma conclusão).


O escapismo então transmuta-se em engajamento profundo, na leitura voraz, na imersão. 

O Senhor dos Anéis é um clássico exemplo de como o Belo Reino pode ser traduzido em uma narrativa épica que ressoa profundamente em seus leitores e, claro, na legião de fãs. A Terra-média torna-o palpável, um cenário onde o sobrenatural e o mundano coexistem em simbiose. 


“Mas numa fantasia, tal qual a chamamos, surge uma nova forma: o Belo Reino vem à tona, o Homem se torna subcriador” (TOLKIEN, 2010, p.29). 

Para além de suas obras, o autor teve um impacto duradouro, pois sua concepção influenciou gerações de escritores do gênero, na busca por capturar essa mesma sensação de encantamento em seus próprios mundos imaginários. 


De C.S. Lewis à, como diz, “subcriadores” contemporâneos da realidade como Neil Gaiman e Allan Moore, o legado do conceito central à fantasia segundo Tolkien é evidente. 

De forma surpreendente, ao refletirmos sobre sua visão em “Sobre Histórias de Fadas”, percebemos que o Belo Reino e seu encantamento não estão tão distantes de nós quanto imaginamos: podem ser encontrados nas pequenas maravilhas do cotidiano, nas histórias que contamos sobre nós mesmos e nos momentos de transcendência que experimentamos na vida. 


Em síntese, o verdadeiro poder da fantasia continua a explorar as profundezas da imaginação humana, representando muito mais do que um refúgio, ao deixar encapsulada sua essência na fantasia como um gênero que oferece, além do escapismo, revelação.


Referência Bibliográfica

TOLKIEN, J. R. R. Sobre histórias de fadas. Tradução de Ronald Kyrmse. 2. ed. São Paulo: Conrad. 2010.

67 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page