O interesse por investigar as já existentes ou possíveis maneiras de manipulação genética aparentemente esteve presente nas vontades de autores da ficção científica há muito tempo. No mundo distópico de "Admirável Mundo Novo" (1932), de Aldous Huxley, por exemplo, a manipulação genética em humanos é uma prática rotineira. Já em "Neuromancer" (1984), de William Gibson, pela obra ser mais direcionada à exploração do ciberespaço, a manipulação genética é mais pontual, porém já apresentada através de personagens e organizações que utilizam tecnologia avançada para modificar corpos e mentes.
A manipulação genética não só se mostrou um tema de interesse para autores, mas pareceu um desejo dos próprios cientistas. E o concretizar de algumas especulações clássicas de autores, por mais que não tenha ocorrido de forma exata, trouxe à tona a necessidade de especular para além da questão técnica ou da possibilidade daquela tecnologia.
Perceber que o "como" da manipulação genética vinha se concretizando levou os autores a finalmente se perguntarem "por quê".
Em 1965, Frank Herbert publicava o primeiro livro da sua grandiosa saga, "Duna", que traria a manipulação genética de uma maneira diferente de como era comumente abordada na literatura. Em um contexto futurístico, em que as máquinas não são bem-vindas, Frank Herbert constrói a manipulação dos corpos e de seus genes através da política. E as responsáveis por esse controle genético são as Bene Gesserit, uma irmandade altamente desenvolvida e com seus interesses muito bem esclarecidos.
As Bene Gesserit buscavam alcançar um alto nível de poder e influência para guiar a humanidade rumo à estabilidade. Antes da chegada do Imperador-Deus, Leto Atreides II, elas planejavam alcançar esse objetivo através do Kwisatz Haderach, um homem Bene Gesserit dotado de habilidades premonitórias, que seria o resultado final de seu extenso programa de reprodução. E este Kwisatz Haderach seria construído com tempo, à medida em que a irmandade "purificava" linhagens.
Assim, as escolas Bene Gesserit eram projetadas para maximizar o potencial físico e mental da humanidade, especialmente das mulheres. Fisicamente, as Bene Gesserit podiam controlar todos os músculos e nervos de seu corpo, inclusive as fibras individuais. Mentalmente, eram autocentradas e podiam usar sua voz como forma controle. Porém, todas as suas habilidades eram usadas com cautela, para que elas se construíssem e se consolidassem como diplomatas, desejadas pelas grandes casas, ao ponto de poderem instaurar suas irmandade em múltiplas famílias, e ao mesmo tempo.
Embora possamos ler nos livros de Frank Herbert o futuro por ele imaginado através dessa arquitetada manipulação genética, pouco sabemos de como a irmandade se formou e por onde exatamente ela começou a agir. Os dois últimos livros da saga, "Hereges de Duna" (1984) e "As Herdeiras de Duna" (1985), nos trazem uma visão melhor das Bene Gesserit, mas ainda assim de forma bem rasa quanto à sua história e origem.
Recentemente, a HBO anunciou a série Dune: Prophecy, que promete nos mostrar as origens das Bene Gesserit e do seu arquitetado plano de formar um Kwisatz Haderach, a partir do livro "Sisterhood of Dune" (2012), escrito pelo seu filho, Brian Herbert.
Você pode assistir o segundo teaser oficial da série Dune: Prophecy, lançado na semana passada.
Ao explorar as complexidades da manipulação genética, tanto na ficção quanto na ciência, percebemos questões delicadas sobre os limites éticos, as motivações humanas e os impactos sociais.
O interesse de Frank Herbert, e posteriormente de seu filho, em investigar muito mais do que o como realizar a manipulação genética, mas o por que desejarmos realizar a manipulação genética, abre um leque ainda mais amplo para que possamos especular não só o nosso futuro, mas também o nosso passado.
Os autores, cada um à sua maneira, parecem antecipar um futuro onde a engenharia genética não é apenas uma ferramenta, mas a peça de uma estruturação da sociedade que busca e manifesta poder.
E assim, a cada passo percebo como a ficção científica não só nos oferece um espelho distorcido de futuro, ilusório e meramente imaginário, mas serve como prisma através do qual podemos examinar nossas próprias aspirações e dilemas éticos.
Show de bola. As implicações da engenharia genética explorada sem o verniz da tecnologia, traz à tona o porquê, como ela torna-se capaz de molda a sociedade, mesmo pela política.