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A monstruosidade na Ficção Científica

Stella D'Avansso










De repente, sua rotina comum é interrompida pelos alertas em todos aparelhos de comunicação e pelas ruas da cidade. Uma nave espacial nunca antes vista pousa na quadra do seu quarteirão. Todos os moradores correm até o local e podem dar uma boa olhada no alienígena. Como você o imagina?


Imaginar a "monstruosidade" é um desafio constante para a Ficção Científica, já que a figura do monstro está intimamente entrelaçada aos parâmetros morais e estéticos da sociedade que o produz. Imaginar o monstro é excluir a sua imagem do que "belo" simplesmente para colocá-la em outra categoria.


Não é exatamente papel da Ficção Científica definir o que é grotesco ou monstruoso, apenas usar das representações para aludir ao monstro ou questionar as instâncias moralizantes que o definem. Nesse sentido, o grotesco aparece em Immanuel Kant (1764) como uma experiência estética legítima e não se trata de uma imoralidade, mas de uma extravagância não recomendada, encontrada nas culturas de outros povos, conforme o autor.


Vale lembrar que a palavra "alienígena" vem do latim "alienus", que significa "estranho, estrangeiro".


A ilustração do brasileiro Henrique Alvim Corrêa para o livro A Guerra dos Mundos de H. G. Wells, representa um monstro, uma figura estranha, estrangeira e alienígena, que ataca os seres humanos com seus tentáculos, armas e aparelhos grotescos. O livro marcou a Ficção Científica e definiu a forma com que livros e filmes posteriores trataram os primeiros contatos com os aliens (ou aqueles que vêm de fora).


No 5º capítulo da primeira parte de A Guerra dos Mundos nos é apresentada a imagem monstruosa dos marcianos invasores. O observador narra todos os horrores em primeira pessoa, o que torna o leitor quase empático diante do fato assustador da estranha cor da pele verde dos marcianos. Após defini-los como "homens" (não terráqueos, mas homens), é cursiosa essa declaração sobre a cor de suas peles, antes das demais descrições. Em seguida, os movimentos dos corpos daqueles seres é motivo para o susto da multidão. Por fim, são suas marcantes e estranhas características fenotípicas destacados que os definem como monstruosos.


Fica evidente que o grotesco é a representação das alteridades e, principalmente, simbolicamente pode significar nas narrativas qualquer povo que não faz parte da normatividade das pessoas que contam a história, principalmente (no sentido clássico do significado da palavra alienígena), para se referir ao estranho à uma determinada cultura. Apesar da representação eficaz do grotesco a partir de uma descrição bem feita e suficiente, como é presente na obra de Wells, é marcante o uso da monstruosidade como representação do mal.


Se não é papel da ficção definir o que é grotesco, pode ser seu papel ressignificá-lo. O símbolo do monstro está presente na maior parte das histórias de Ficção Científica, mas não são todas que discutem os símbolos que esses personagens carregam. É importante repensar as nossas relações com o "outro" na sci-fi, porque diferente do que Kant dizia, algum dia você pode ser o "monstruoso" e alienígena de alguém.


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2 Comments


Incrível reflexão, Stella. Me fez pensar bastante nas motivações de Lovecraft para escrever suas histórias de horror, nada além de transformar em "monstro" tudo o que era diferente e o apavorava.

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Ótima pegada, Stella!

Assim como bárbaros são os não-romanos, a especulação, seja na ficção, na fantasia ou no terror, pode nos oferecer subsídios à observação do mundo, para além do escapismo.


Quem são nossos monstros? No cinema Hollywoodiano, foram os japoneses na década de 80, os chineses desde a virada do século. Transfigurado em vilões ante a pretensão de eterna dominância de uma sociedade de consumo.


Em Aliens, no xenomorfo podemos encarar a ganância infindável, a reprodutibilidade infinita e a morfogênese do capital especulativo.


Ótima reflexão, obrigado ;-)

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