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A necessidade de imaginar: como repensar a Ficção Científica?

Gabriel Mello, colunista da revista Especular









Se te dissessem agora que imaginar é algo restrito à infância, você acreditaria? Bom, eu certamente não. Na verdade, uma grande vitória é perceber que as mais diversas áreas de estudo, desde as exatas até as humanas, compreendem que a imaginação é algo indissociável do que é ser humano. Mas agora talvez você esteja se perguntando: por que estamos falando de imaginação em uma coluna voltada para Arte/Literatura? Sinto muito desapontar aqueles que pensaram apenas que "sem imaginação não há arte e nem literatura". Claro que a afirmativa é completamente verdadeira, mas a proposta deste texto é expandir esta ideia; perceber que o imaginar está em todas as esferas, em todos os nossos momentos, e não só nos processos de criação. Para entender isso, vamos caminhar por algo que me interessa bastante: a ficção científica. Quando Mary Shelley (1797-1851) construiu o seu monstro, Frankenstein, ela imaginava sobre o ponto que a natureza humana poderia chegar, isso em um contexto de grandes revoluções tecnológicas, que implicaram em uma incerteza sobre o próprio futuro... em um medo pelo novo. Enfim, Mary Shelley fazia ficção científica. Quando George Orwell (1903-1950) imaginava sobre a política como um agente muito mais do que abstrato para controlar nosso comportamento, em um contexto de insegurança política devido ao surgimento de muitas ideologias/propostas políticas, ele fazia ficção científica. Da mesma forma que Asimov, Frank Herbert, William Gibson, Aldous Huxley e Nnedi Okorafor , quando nós imaginamos, nós também fazemos ficção científica. Isso porque o ato de imaginar nos leva, automaticamente, ao ato de especular. E a ficção científica nada mais é do que uma imaginação sem abandonar o mundo que nós já conhecemos. Mas com que frequência você imagina conscientemente? Em que momento você apenas se permite parar, olhar para o nada e enxergar nele um infinito? Ou com que frequência você olha para algo que pergunta "e se isso fosse diferente"? Na verdade, o que eu quero provocar é: com que frequência você faz ficção científica? Neste caso não cabe a desculpa de "não ser escritor", e muito menos a de considerar-se alguém sem criatividade. Como já apontei aqui, a ficção científica nada mais é do que o imaginar consciente. E todo nós imaginamos! Foi preciso bons anos para que percebêssemos que este gênero literário na verdade está muito mais próximo do que distante de nós. Talvez pela potência de obras como Fundação (1951), Neuromancer (1984), 2001 (1968) ou Duna (1965) tenhamos acreditado que era preciso uma exime carreira na literatura - ou um diploma acadêmico - para que pudéssemos nos enxergar dentro da ficção científica.


E, sinceramente, como um autor e pesquisador do gênero, não há nada que me deixe mais feliz do que ver obras como "A vida e as Mortes de Severino: Olho de Dendê" (2022), "Hyperion" (1989) e "(In)Verdades" (2016) simplesmente existindo. Estas e diversas outras obras que não param de surgir apenas mostram quão rica pode ser a descentralização da ficção científica; compreender que todos nós imaginamos e que cada imaginação é carregada das nossas bagagens individuais e das nossas vivências. Isso nos permite muito mais do que imaginar um futuro; nos permite colocar-nos como protagonistas do nosso próprio futuro. Tudo isso é imaginar. Tudo isso é ficção científica.

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