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A onda nada passageira de abraçar o mundo das meninas e o filme da Barbie

por Bianca de Sousa





Brinquedo de menina e brinquedo de menino. Filme de menina e filme de menino. Por mais que tente fugir dos clichês de rosa e azul, o chá de revelação do universo determina o que devemos apreciar durante boa parte da vida. Os meninos engajam nos esportes e jogam videogames. As meninas gostam de maquiagem e de balé. E assim, não tão sutilmente, esses mundos começam a se dividir ao meio, reduzindo o gênero a duas únicas possibilidades.


Sabemos que não é bem assim.


Quando os universos se dividem, trazem a ideia de que as pessoas, os filmes, os brinquedos, os livros, e tudo que é feito para o envolvimento do ser humano deve ter uma classificação de público feminino ou masculino, e a partir disso o mundo das garotas e o mundo dos garotos é separado. Porém, hoje, masculino e feminino são palavras que abrangem diversos indivíduos, não somente o homem e a mulher.


Dito isso, o mundo das garotas — que é nada mais do que a representação da feminilidade — gera debates por suas inúmeras distinções com a masculinidade. Distante do mundo dos rapazes, na infância as meninas são separadas do convívio com os homens principalmente pelos seus interesses. E ao lado contrário dos esportes, dos videogames e dos carros de brinquedo está o universo das garotas, onde o interesse pela feminilidade está seguro para aqueles que estão inseridos neste meio. Fora dali, não é tão interessante demonstrar apreço pelo feminino.


A boneca mais famosa do mundo ganhou sua própria mega produção em um live action em 2023. Barbie, dirigido por Greta Gerwig, demonstra o quão perfeito é o universo feminino quando ele está dentro de uma caixa de plástico. No filme, a Barbielândia é um exemplo prático de um mundo feminino em todos os sentidos possíveis. Um lugar onde a presidente, a médica, a jornalista, as mestres de obra e todas as figuras relevantes são bonecas mulheres; os Kens nesta obra, ilustrando a figura do homem, são apenas Kens.


fotografia de atriz Margot Robbie caracterizada como Barbie
Imagem de divulgação do filme Barbie (2023), protagonizado por Margot Robbie. Divulgação: Warner Bros. Pictures

A Barbie Estereotipada, personagem da Margot Robbie, precisa conhecer o Mundo Real devido a um conflito da trama. Nos primeiros segundos vivendo aqui, no nosso mundo, a Barbie não se sente tão segura ao ser vista como uma mulher na sociedade patriarcal em que estamos inseridos. Para além disso, ela percebe seu universo de meninas ser ameaçado quando um vislumbre do mundo real alcança a Barbielândia e o tão temido patriarcado assume o poder no seu refúgio feminino. E se dentro do filme já estava ruim, aqui fora conseguia piorar.


Provavelmente essa não vai ser a primeira vez que falo sobre Barbie nesta coluna. O filme de Greta Gerwig é uma grande sátira cor-de-rosa contra o capitalismo, o patriarcado, a pressão estética da própria boneca e a Mattel — que detém os direitos da Barbie. Com quase 1,5 bilhão de dólares, contrariando a própria crítica comercial, o filme se tornou um dos mais aguardados e mais comentados do ano. Eu assisti Barbie mais vezes do que gostaria de admitir.


Durante alguns meses, com as campanhas de divulgação do longa, eu e boa parte do mundo nos agrupamos em uma bolha que alimentava altas expectativas para a estreia. Toda a produção, incluindo a divulgação, a comercialização de produtos e as críticas prévias da obra evidenciaram que era um filme para o universo feminino, que explicava em uma narrativa concisa o que é ser uma menina. Essa bolha, de forma consciente ou não, formou um senso de coletividade no universo das garotas e criou uma onda de feminilidade por todo mundo.


Mas então a bolha cor de rosa estoura e eu, e todas as pessoas que engajaram na onda de feminilidade, lidamos com o reflexo do que ameaça o mundo das garotas e reprime os gostos femininos desde sempre: a misoginia.


“Ao escrever sobre o impacto histórico e cultural das bonecas Barbie, além de sua influência no desenvolvimento das garotas do mundo inteiro, Greta Gerwig dá importância à temática. Historicamente, as “brincadeiras de menina” são apontadas como fúteis e tudo que está alinhado com a feminilidade recebe o selo de bobo ou desimportante.” (UMA ANÁLISE DO FILME BARBIE, 2023)


FEMINILIDADE


O mundo das meninas e o universo feminino se distinguem. O mundo das meninas é direcionado para as meninas, mulheres, cis ou trans. O universo feminino, por sua vez, é um espelho para toda e qualquer representação de feminilidade, para atribuições além do gênero, e que dentro ou fora da bolha muitas vezes é visto como "fútil" devido a uma base patriarcal, independente de quem seja a pessoa expressando ou consumindo coisas que pertencem ao universo feminino.


Ao usarem roupas em tons de rosa e movimentar os grupos de meninas para assistir a estréia do filme da Barbie, o universo feminino foi motivo de piada e desprezo mais uma vez por parte da sociedade. O senso de coletividade para viver quase duas horas de uma escrita marcada pelas complexidades do feminino foi ridicularizado pelo simples fato de atingir seu público e se tornar relevante para ele.


Mas o tiro saiu pela culatra, e Barbie, que surpreendeu com uma crítica ao patriarcado e o potencial expansivo ao abraçar a feminilidade, gerou ainda mais engajamento nas delícias envolvendo o mundo das meninas, quando mulheres de todas as idades puderam inundar-se no universo que foi criado delas paras elas.


Marie Solis, em artigo publicado no The New York Times afirma que “a palavra ‘menina’ está em oposição diametral não a ‘menino’, mas a ‘mulher’, permitindo que as mulheres desfrutem de prazeres femininos simples sem as complicações que alguns associam à feminilidade.” A escritora aprofunda essa ideia dizendo que “embora as mulheres tenham responsabilidades adultas e sejam objeto de discurso feminista em torno de temas controversos como desigualdade salarial entre homens e mulheres e trabalho doméstico não remunerado, as meninas são livres para serem alegres e amantes da diversão.”



MENINAS, GAROTAS E MULHERES


A partir daqui falaremos sobre a mulher que participa da aceitação da feminilidade no contexto atual em que vivemos. E nesse sentido, o mundo das meninas tem várias formas. Ele inclui uma rede de apoio e suporte contra o patriarcado, abraçar e envolver-se no que é considerado de “mulherzinha” e se apropriar dos interesses que, em uma sociedade misógina, são vistos como desimportantes por serem atrelados à feminilidade.


Nesse sentido, Barbie foi o evento para as meninas e mulheres do mundo todo. O longa debate o papel das mulheres na sociedade, o patriarcado, a hiperfeminilidade e reforça a ideia de que uma mulher pode ser o que quiser, inclusive ser apenas uma garota. Em tela, o filme protagonizado pela Margot Robbie transmite uma mensagem que, em minha opinião, só é possível de ser interpretada com toda sua profundidade por meninas, garotas e/ou mulheres.


Para além de misoginia e o patriarcado, a obra de Gerwig trata da pressão estética símbolo da Barbie estereotipada no longa. Imagem: Warner Bros. Pictures


CONCLUSÃO


O filme da Barbie não foi o estopim pra onda de feminilidade que existe agora, onde ser uma menina para as meninas e aproveitar coisas de menina e vestir coisas de menina e se portar como uma menina é prazeroso em comunidades. O longa trouxe um olhar mais gentil sobre as complexidades do mundo das meninas. Mas, foi fora das telas, durante o processo de engajar um grupo na feminilidade e seus interesses, que o universo feminino foi aproveitado em massa por aqueles que estão inseridos nele.


Houve uma época onde não andar entre as garotas era símbolo de profundidade. Houve uma época onde não gostar da cor rosa e não usar vestidos e saias segregou as meninas inteligentes das meninas fúteis. Hoje, meninas de todas as idades trocam pulseiras de miçanga em estádios superlotados de artistas pop cantando aos pulmões “give me back my girlhood, it was mine first/ devolva minha infância, era minha em primeiro lugar”. No dia seguinte, essas meninas estão em tribunais, salas de aula, salas de operatório e campos de futebol apenas sendo garotas, mas também mulheres.


Ainda há aquelas que não gostam de saias e maquiagem, mas ainda sim vivem todas as complexidades de fazer parte do mundo das meninas. Tenho certeza que mesmo as garotas que não gostam da cor rosa, de alguma forma apóia-se em uma comunidade com interesses, similares ou diferentes, mas que também faz parte do universo feminino porque este é imenso e se expande para além da feminilidade.


Não sabemos dizer quando o mundo das meninas e esse universo se tornou tão interessante. Daqui do lado de dentro da bolha, não dá pra saber; ser uma garota em um mundo de garotas sempre foi divertido para mim. Saindo da bolha, quando preciso ser uma mulher no Mundo Real, talvez não seja tão divertido assim, mas fica melhor quando tenho as meninas do meu lado.


Ao final, a canção de Cyndi Lauper de 1983 é a que sintetiza o que querem as garotas:


I wanna be the one to walk in the sun /Eu quero ser a que anda no sol

[...] girls, they wanna have fun / meninas, elas só querem se divertir



VALE A LEITURA:


REFERÊNCIA

DE MEDEIROS MENDES RIBEIRO, V.; FERREIRA, A. T. R. D. J.; RISIERI, O. A. C.; TEIXEIRA BORGES, F. UMA ANÁLISE DO FILME BARBIE (2023), DA BONECA E SUAS IMPLICAÇÕES NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA. Boletim de Conjuntura (BOCA), Boa Vista, v. 15, n. 45, p. 284–309, 2023. Disponível em: https://revista.ioles.com.br/boca/index.php/revista/article/view/2099. Acesso em: 5 jan. 2024.

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