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A personificação do inconsciente na Cultura Pop

Nicolas R. Aquino











Uma das coisas que mais afligem e despertam a curiosidade da mente humana é o entendimento de conceitos abstratos. Alguns desses conceitos, como nossas emoções, consciência, moralidade, alma, etc., são frequentemente usados na mídia na construção de narrativas repletas de sensações e identificações. Embora pareça difícil acreditar na possibilidade de nos identificarmos com algo abstrato, o uso da personificação tem sido um artifício capaz até de criar simpatia e entender emoções complexas como a ansiedade.


Dando um breve contexto, a personificação pode ser entendida como uma figura de linguagem que atribui características humanas a objetos, animais, lugares, conceitos e seres inanimados. Isso inclui desde sentimentos, comportamentos até características e costumes. A personificação é uma ferramenta muito útil na comunicação e na mídia, permitindo que ideias e sensações abstratas e complexas sejam compreendidas de maneira mais fácil e intuitiva. Ao dar vida e personalidade a conceitos não humanos, a personificação torna mais simples a compreensão de emoções, valores morais e outros aspectos intangíveis da experiência humana.


"E mesmo assim, depois de um momento, Aislyn se pega sorrindo também. Levemente. Depois dando risadinhas, conforme a tensão do momento se dissipa. A risada é mais do que contagiosa. Aislyn está infectada. Desenvolvendo uma conexão através da catarse. De repente, ela e a Mulher de Branco estão rindo juntas, tanto que os olhos de Aislyn ficam marejados pela força de sua própria gargalhada, e tão intensamente que, por um belo momento, todos os problemas parecem insignificantes. É como se elas fossem amigas há anos." - Nós somos a cidade - N.K. Jemisin

Ao ler o trecho acima, acredito que a maioria dos leitores irá associar Aislyn a uma pessoa, e sim, Aislyn é uma pessoa, ou melhor, um avatar, um espírito de uma cidade personificado com características, personalidade, vivências e preconceitos humanos. O livro “Nós Somos a Cidade” é um dos muitos exemplos dessa personificação dentro da mídia, talvez não seja o exemplo mais conhecido pelo imaginário coletivo, mas que traz essa perspectiva de que até uma cidade, no caso Staten Island, pode se tornar uma persona humana.


Indo para um dos, se não o exemplo mais disseminado dentro da Cultura Pop, é a personificação do bem e do mal frequentemente ilustrada na imagem de um pequeno anjo e um pequeno demônio que aparecem nos ombros das pessoas. O anjinho, geralmente posicionado no ombro direito, simboliza a voz da consciência, guiando a pessoa a fazer escolhas éticas e morais. Por outro lado, o demônio, situado no ombro esquerdo, personifica as tentações e impulsos imorais. Através dessa personificação, a complexidade das escolhas morais e éticas humanas é simplificada, e de certa forma até cômica, enquanto trata de algo tão complexo como a moralidade, permitindo que o público reflita sobre suas próprias decisões.


Assim como a presença de pequenas figuras religiosas, temos também nosso clássico grilo da consciência, que não necessariamente precisa ser um grilo, mas representa essa figura que personifica nossos pensamentos, anseios e questionamentos. Personagens como o grilo de Pinóquio nos lembram da importância de ouvir nossa própria consciência, promovendo a introspecção e a escuta do nosso interior.


Saindo dos clássicos e indo para o queridinho do momento, Divertidamente. Recentemente, esse sucesso da Pixar ganhou uma sequência que traz a personificação de emoções ainda mais complexas do que Alegria, Medo, Nojinho, Tristeza e Raiva, que são muito bem introduzidos no primeiro filme.


Usando o contexto do início da puberdade de Riley, somos apresentados a Inveja, Tédio, Vergonha e à temida Ansiedade. Divertidamente 2 faz um trabalho magnífico ao abordar a personagem Ansiedade ganhando “poder” e, ironicamente, ficando cada vez mais ansiosa ao longo do filme. Essa personificação de algo quase intrínseco dentro da nossa sociedade representa bem a importância e necessidade da personificação dentro das mídias. Ao trazer emoções complexas e que muitas vezes parecem impossíveis de lidar, cria-se uma rede de entendimento e compreensão coletiva entre aqueles que consomem tal obra e consegue tanto enxergar suas sensações e vivências simples ou abstratas nesses personagens.


Ansiedade assumindo o controle em Divertidamente 2 (imagem/Reprodução: Disney)
Ansiedade assumindo o controle em Divertidamente 2 (imagem/Reprodução: Disney)





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4 Comments


Guest
Jul 09

Ótima análise

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Muito apropriado introduzir a personificação do abstrato, demonstrando usos e costumes na cultura pop, e depois, a partir do filme, estabelecer o vínculo com a ansiedade, para alguns o mal do século, objetificando a ótima perspectiva que adotou - parabéns! Ficou show.

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🤯🤯🤩

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Um tema cada vez mais recorrente, principalmente à medida que desmistificamos a saúde mental. Texto maravilhoso!

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