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Caipirinhas no espaço: uma breve reflexão sobre ficção científica e brasilidade

Danilo Heitor











Em 2022, a revista Apotecário, para sua edição inicial, lançou um edital pedindo contos de ficção científica que fossem space operas à brasileira. Não foi a primeira vez que eu parei para pensar na relação entre ficção científica e o nosso, ou o meu, cotidiano, mas foi um momento marcante para mim nessa relação. E eu aceitei o desafio.

Um dos meus livros preferidos na vida é “O homem do furo na mão e outras histórias”, uma coletânea de contos de Ignácio de Loyola Brandão. Não é um livro de ficção científica, mas o conto principal do livro, “O homem do furo na mão”, deu origem ao romance “Não verás país nenhum”, do mesmo autor. Este, sim, pode ser enquadrado como um livro de ficção científica, mais especificamente uma distopia que se passa na cidade de São Paulo. Nela, a Amazônia virou um deserto, que o governo apresenta como uma das Novas Maravilhas do Mundo, e partes do território brasileiro foram vendidas para empresas multinacionais.


Em “O homem do furo na mão e outras histórias”, antes do primeiro conto, há uma entrevista curta com Loyola Brandão. Em uma das perguntas, sobre qual seria o papel do escritor no mundo de hoje, Brandão responde que “(...) o escritor deve retratar seu tempo, apontar os furúnculos, tumores e alegrias. E também oferecer divertimento, distração”. Esse pequeno trecho da entrevista grudou no meu cérebro para sempre e, posso dizer com tranquilidade, atravessou toda minha trajetória como escritor. E me fez gostar mais, sempre, das obras de ficção científica diretamente relacionadas com a minha realidade, como "Não verás país nenhum".


A ficção científica brasileira tem uma trajetória longa, com diferentes ondas. Neste dossiê magnífico da revista Zanzalá, há vários artigos abordando, como diz o título, “os ismos e punks na ficção científica brasileira”. Amazofuturismo, tupinipunk, sertãopunk e outros subgêneros são discutidos justamente a partir de suas abordagens que cruzam gêneros especulativos tradicionais e temas intrinsecamente brasileiros. Alguns anos atrás, quando descobri alguns destes movimentos (já que parte deles se reivindica assim), foi como encontrar um lugar no mundo para tudo que eu nem sabia ainda que queria escrever. Não que eu não goste de um bom filme ruim de fim de mundo nos Estados Unidos, mas nunca me despertou interesse escrever algo dentro desse contexto.


Nesse processo, descobri dois coletivos fundamentais para quem gosta de pensar na ficção especulativa com uma perspectiva do sul global, latina, brasileira, decolonial: o Escambau, que manteve uma revista (a Escambanáutica) e uma newsletter (a Pulpa) e depois se tornou editora, e a Mafagafo, revista que encerrou suas atividades em 2023 — e que também mantinha uma newsletter, a Faísca. Nestes espaços, conheci muitas autorias brasileiras contemporâneas, todas elas navegando pelas encruzilhadas da brasilidade na ficção especulativa. Vale muito a pena explorar seus legados. Foi em meio a eles que eu desenvolvi uma ideia de space opera à brasileira para concorrer ao edital da Apotecário, que no final não teve resultado — a revista nunca saiu.


Nem por isso a trajetória da Retirante, uma espaçonave brasileira comandada por Raimundo, um caixeiro-viajante espacial, morreu na gaveta. Acabei publicando-a entre os 25 contos do meu recém lançado livro “Quase agora, uma coletânea de ficção científica à brasileira que foi escrita quase em sua totalidade nos desafios de escrita do Escambau e da Mafagafo. Um deles, “A visagem do ovo”, é inclusive finalista da Odisseia de Literatura Fantástica de 2024.


E você? O que indicaria no campo da ficção científica com uma temática brasileira?

Bora trocar essa ideia na caixa de comentários?

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5 Comments


Guest
há 2 dias

Estou começando a me interessar...


Francis, aqui :)

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Danilo Heitor
Danilo Heitor
há um dia
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vem pro time dos punks futuristas hahaha

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Guest
há 2 dias

Não li muita coisa de ficção científica brasileira, mas lembro agora das ficções especulativas Corpos secos e A segunda pátria, é muito interessante ver como as características do gênero são bem aplicadas na nossa realidade e história

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Guest
há um dia
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Uma é um romance colaborativo de zumbi, a outra especula como seria se o Sul brasileiro tivesse virado nazista

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