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Como a minha mãe, e suas imagens, me despertaram para a Ficção Científica

Carolina Oliveira











A minha história com a ficção científica começou não por meio das palavras – na literatura –, mas pelas imagens do cinema, imagens essas que eram acompanhadas por pactos entre mim e a minha mãe. Nossos pactos eram simples: “fica comigo até tarde pra ver esse filme?” e, apesar das propostas quase sempre partirem de mim, nós duas saíamos ganhando.


Quando assistimos “Alien – O Oitavo Passageiro” (1979), de Ridley Scott, pela primeira vez, eu me lembro de aguardarmos até o final para, finalmente, escovarmos os dentes e nos prepararmos para dormir. Isso significava, pelo nosso termômetro, que a história realmente tinha nos “pegado”. Eu e minha mãe cochichávamos juntas, às vezes descompassadas, tudo o que era preciso que a tenente Ripley (Signourney Weaver) fizesse para conseguir sobreviver naquele mundo maluco. Nós vivemos junto com Ripley, mas na segurança do nosso sofá, o que nos dava uma grande vantagem sobre toda a situação.


Da quadrilogia, a clássica cena da criatura saindo de um corpo como em uma explosão, sem tampouco ser convidada para entrar, foi a que mais me chocou à época (minha pontinha de satisfação era saber que, pelo menos, não tinha acontecido nada com Ripley - ora, eu mal sabia o que a aguardava no futuro!). Lembro de não conseguir pronunciar nenhuma palavra, minha cara de nojo enfatizava os grunhidos que saíam do meu estômago. Ao meu lado, minha mãe deitada – como sempre em todos os filmes – também se anunciava pelo som, mas diferente da minha aflição, ela parecia estar se divertindo.


As risadas e o asco pelo absurdo da imagem pareciam formar uma bela dupla, sem pensar eu questionei em voz alta “imagina um treco desses saindo da gente?” e quando me dei conta, imaginei que eu mesma, alguns anos antes, poderia ser um alien que minha mãe havia carregado no ventre.

Cena de Alien - O Oitavo Passageiro (1979)
Cena de Alien - O Oitavo Passageiro (1979)

Alguns anos mais tarde, e ainda sem muita elaboração sobre as questões da maternidade, eu já não tinha mais a minha principal dupla de filmes, mas ainda seguia na busca por histórias que fossem capazes de me causar estranheza. Os filmes de terror e horror pareciam, à primeira vista, responder muito bem a minha necessidade, contudo, ao optar pela jornada da pesquisa acadêmica, eu retomava os meus instintos mais urgentes – as sensações que eu sentia ao dividir o sofá com a minha mãe e abdicar de algumas horas de sono.


Foi quando eu encontrei um recorte pouco usual e que também causava ora grunhidos (hein?) ora risadas (como assim?) quando passei a visitar a ficção científica no cinema brasileiro, terreno rarefeito, mas potente.


Já adulta e com um pouco mais de maturidade que a criança dos anos 1990, eu assistia, agora sozinha, ao filme “O Jardim das Espumas” (1970), de Luiz Rosemberg Filho. Associado ao Cinema Marginal, o filme olha para a ditadura brasileira e seus corpos dilacerados, tão gráficos e aflitivos, mas mais violentos que as melecas fluorescentes de Scott. Mas para além das conjunturas históricas, uma das sequências que mais me marcaram fora a dos atores e da equipe técnica em um descampado barulhento conversando sobre o futuro do cinema nacional. Uma das habitantes desse mundo subdesenvolvido, a estudante sem nome (Fabíula Francaroli) – uma das poucas mulheres do filme, lança um questionamento que me causou um desembaraço próximo daquele que eu havia feito a minha mãe anos antes: “por que essa mulher tá sentada aí, falando milhões de coisas, e daí?”.


Cena de "O Jardim das Espumas" (1970)
Cena de "O Jardim das Espumas" (1970)

Nesse momento, eu me dava conta de que, assim como Ripley e a estudante sem nome – estranhas e incômodas –, eu também tinha uma missão, que muito provavelmente não me promoveria a heroína de nenhuma história, mas me permitiria pensar sobre elas e dividi-las com qualquer pessoa disposta a se juntar ao meu sofá imaginário; especular sobre novos, velhos e outros mundos. Sorrir, se repugnar e falar sobre milhões de coisas sim, e daí?

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