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Deuses Ctônicos: O Culto da Terra e do Pós-Vida

Julia de Alencar, colunista









Você sabe o que são Deuses Ctônicos? Se você gosta de mitologia grega, provavelmente já ouviu falar deles, mas talvez não os conheça por esse nome. Os Deuses Ctônicos emergem como figuras fundamentais, cuja influência se estende das profundezas da terra até as colheitas que sustentam a vida.


Diferentemente dos Deuses Olímpicos, que residiam no Monte Olimpo, os Ctônicos habitavam o submundo e eram venerados por sua conexão íntima com a terra e os mistérios da vida após a morte. Estes deuses, muitas vezes sombrios e misteriosos, desempenharam papéis cruciais na cosmologia e na religião dos antigos gregos. Mas vamos por partes; vamos começar pela origem do termo que os diferencia dos Deuses Olimpianos.


O termo Ctônico vem da palavra grega χθών (khthōn), que significa “terra”, referindo-se mais ao interior da terra do que à superfície, ou mesmo ao território. Esse termo remete ao mesmo tempo a duas coisas: ao túmulo e à abundância. A palavra ctônico reflete a essência desses deuses, que são intrinsecamente associados à terra e suas entranhas. Para os gregos antigos, a terra era mais do que simples solo; era um reino de mistério e fertilidade, onde os segredos da vida e da morte eram guardados. Os Deuses Ctônicos personificavam esses mistérios e simbolizavam a conexão entre o mundo dos vivos e o submundo.


E caso você não tenha entendido completamente a essência desses Deuses, você pode estar se perguntando: quais são os Deuses que se encaixam entre os Deuses Ctônicos?

Entre os principais deuses ctônicos, destacam-se Hades, senhor do submundo, cujo domínio se estende sobre os mortos e as riquezas ocultas sob a terra. Perséfone, sua esposa, personifica a dualidade da vida e da morte. Hécate, a guardiã das encruzilhadas e das magias, que se tornou conhecida por seu papel na feitiçaria e na bruxaria na cultura popular. E Tânato, a personificação da morte não violenta, que gradualmente se tornou sinônimo de morte em si. Estes deuses, juntamente com outros como Medusa e suas irmãs, as górgonas Esteno e Euríale; Trofônio; Triptólemo; Erínias; as Moiras; Poraz; Cabiros e Macária, são alguns dos principais exemplos das divindades ctônicas.


Os Deuses Ctônicos estão profundamente enraizados na natureza, refletindo os ciclos de vida, morte e renascimento que moldam o mundo natural. Deméter, por exemplo, é venerada como a protetora das colheitas, e seu humor influencia a fertilidade da terra. Da mesma forma, Hades e Perséfone personificam a transição entre as estações e os mistérios da vida após a morte, enquanto Hécate governa sobre os limiares e as fronteiras da existência e Tânato é reverenciado como aquele que guia as almas dos falecidos para o além, presidindo sobre o momento final de todas as vidas mortais.


Os rituais e cultos associados aos Deuses Ctônicos são marcados por diferenças significativas em relação aos ritos dedicados aos Deuses Olímpicos. Os Deuses Ctônicos são venerados de maneira oposta a estes, logo não há compartilhamento de altares em seu culto; ou seja, Deuses Ctônicos e Olímpicos não podem ter seus altares no mesmo local. Além disso, as oferendas não são destinadas ao consumo dos vivos, mas sim enterradas em poços como uma forma de conexão com o submundo e as divindades associadas a ele.


Enquanto isso, os cultos urânicos celebram ritos elevados, praticados em altares e pedestais, exigindo que os praticantes ergam altares nas áreas mais altas de suas casas em homenagem aos Deuses Olimpianos. O culto ctônico, por sua vez, está profundamente relacionado à terra. Os altares são colocados diretamente no chão, e as orações são feitas com a palma da mão esquerda em contato com o solo, simbolizando a conexão direta com a terra e as divindades que a governam.


Os rituais e cultos associados aos Deuses Ctônicos eram marcados por uma atmosfera densa de mistério e reverência, caracterizando-se por práticas profundamente enraizadas nas tradições religiosas da Grécia Antiga. Um dos exemplos mais proeminentes desses rituais era a celebração dos Mistérios de Elêusis, realizada em honra a Deméter e Perséfone. Essas cerimônias sagradas eram consideradas entre as mais importantes do mundo grego, oferecendo aos iniciados a promessa de acesso aos profundos segredos da vida e da morte. Dentro desses rituais, era comum a realização de sacrifícios de animais, oferendas de alimentos e libações, práticas realizadas não apenas para assegurar a benevolência dos Deuses Ctônicos, mas também para garantir a fertilidade da terra e o ciclo vital das colheitas.


Os Deuses Ctônicos, assim como os Olimpianos, possuem particularidades em seu simbolismo. Cada elemento iconográfico carrega consigo uma narrativa simbólica profunda e complexa. O cetro de Hades, por exemplo, é utilizado como um símbolo de autoridade, mas também representa seu domínio soberano sobre o submundo, onde as almas dos mortos residem em eterna quietude. O manto de Perséfone transcende sua função de vestimenta real, simbolizando sua dualidade como a rainha tanto da primavera, que traz vida e renovação, quanto dos mortos, que governa com igual poder e majestade. Já as tochas de Hécate não são apenas instrumentos de iluminação, mas também emblemas de sua autoridade transcendental sobre os reinos da terra, do céu e do submundo, guiando os viajantes através dos caminhos escuros da noite com sua luz mágica e protetora.


Os Deuses são frequentemente invocados por meio de uma variedade de epítetos que capturam diferentes aspectos de suas divindades. Alguns Deuses Olímpicos têm epítetos que os conectam aos aspectos ctônicos. Por exemplo, Deméter é ocasionalmente chamada de "Chthonia", ressaltando sua associação com a terra e a fertilidade. Zeus, o rei dos Deuses Olímpicos, também possui epítetos ctônicos, como "Zeus Chthonios" e "Zeus Meilichios", uma forma de invocação que o relaciona com os ritos ctônicos de propiciação e proteção da fertilidade da terra. Hermes, o mensageiro divino, é reverenciado como "Hermes Psychopompos", o guia das almas, em sua faceta ctônica, enquanto Dionísio, o deus do vinho e da festa, é chamado de "Dionísio Melanaigis", indicando sua associação com a escuridão e os ritos misteriosos.


Esses epítetos surgem como conexões entre esses Deuses e seus domínios, criadas a partir da interconexão que eles têm em seus cultos, seus ritos e seus mitos, revelando camadas profundas de significado e conexão entre os reinos ctônicos e olímpicos. Ao invocar diferentes aspectos das divindades, esses epítetos transcendem fronteiras e unem os domínios celestiais e terrenos.


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