UMA RESENHA por Matheus Maciel
Retomando suas raízes cinematográficas, a criatura Godzilla (Gojira, no original japonês de 1954, dirigido por Ishiro Honda) retorna às telas de cinema no longa Godzilla Minus One, que estreou em território brasileiro em 14 de dezembro de 2023.
Com "raízes cinematográficas", quero dizer que da ideia do filme, passando pela produção e pela direção até os temas discutidos, estão centrados na experiência da história cinematográfica japonesa. Originalmente, o filme de 1954, que lançou o lagarto radioativo ao mundo, o trouxe como uma analogia à devastação da bomba atômica de Hiroshima, como uma fusão violenta entre natureza e intervenção humana. Coisa de punição divina mesmo. Dos anos 50 para cá, Gojira sofreu mudanças, releituras e defendeu seu cinturão de "dono" de Tóquio contra outras criaturas gigantes, os kaiju da literatura de ficção científica japonesa, como a mariposa Mothra e o gorila King Kong, dando sequência a uma parceria com este último em uma tentativa de business agressivo de surfar na febre de franquias cinematográficas longevas.
Assista o trailer de Godzilla Minus One: https://www.youtube.com/watch?v=F9CtBk_b4sw
Entretanto, em Godzilla Minus One, vemos Godzilla em toda sua fúria clássica, tal qual a que fora vista em seu surgimento no cinema. Diferentemente da versão heróica e estranhamente altruísta de Godzilla vs. Kong de 2021, na versão mais atual, o lagarto engloba e representa os temores japoneses do imediato pós-guerra. Temores esses que não são sentimentos políticos distantes do imperador ou do alto escalão, mas das pessoas que viram seu cotidiano ser despedaçado como dano colateral de guerra. Não à toa, boa parte do filme é ambientada em lugares arruinados, que reflorescem discretamente em meio à destruição. O título, Minus One, alude ao momento zero das bomba atômicas no Japão, e que o "menos um" mostra que decadência e perda podem ser ladeiras sem fim.
O filme mostra a história do piloto-artilheiro japonês Koichi Shikishima (Ryunosuke Kamiki) que faz um pouso forçado em uma base japonesa depois de desertar à sua obrigação de piloto kamikaze, ou Tokkotai; abreviação utilizada originalmente ao longo do filme. Tal obrigação era simples: ir à guerra e não voltar. Morrer em combate para "levar" o máximo de inimigos consigo. Como Shikishima sente em sua pele, retornar vivo dessa obrigação carrega consigo uma vergonha dolorosa. O filme é paciente e hábil em desenvolver a jornada do protagonista e sua relação entre a própria vergonha e uma cultura que pouco valoriza sua própria vida, sobrepondo, na imagem do Godzilla, seu medo pessoal com o medo de toda uma nação, que se vê solitária e abandonada pelo mundo e por suas própria autoridades.
O mais interessante do lançamento do filme ainda em 2023 é a coincidência (ou não) do lançamento de um filme que aborda essas raízes radioativas do Godzilla no mesmo em que o filme Oppenheimer mostra, de forma anêmica, consequências da produção e do lançamento das tais bombas atômicas pela perspectiva americana, mais especificamente a visão do físico chefe do Projeto Manhattan, o dr. Robert Oppenheimer. Enquanto atormentado por uma culpa vazia, dando mais a entender que o macartismo que foi o grande problema do cientista, era a preocupação narrada no longa épico de Cristopher Nolan, o peso de uma cultura estilhaçada e vidas incendiadas foi a dor retratada no longa dirigido por Takashi Yamazaki, no qual o Godzilla, acompanhado pela simplicidade narrativa do filme, mostra mais objetivamente o tamanho da angústia japonesa, por uma perspectiva mais apropriada: a de quem passou pelo horror da bomba atômica. Godzilla Minus One, portanto, não é apenas um revival fortuito e fresco de filmes de monstro, mas uma disputa narrativa em sua essência.
E eu que nem sou fã de reboot vou ter que ver depois dessa resenha. Bom demais, Maciel!
Seu ponto de vista sobre esse clássico abriu minha mente, Matheus! 🤯
Muito interessante a comparação entre as narrativas de Godzilla e Oppenheimer!
Bom saber que Godzilla está de volta, e da melhor forma possível!!
Muito bom! ainda não conhecia o filme, mas adorei a exploração e explicação da temática!
vou adicionar à lista de 2024 ✨