A culpa é um dos sentimentos que mais corrói nosso mental e emocional, na minha percepção. Ela não só traz uma sensação ruim, mas também é o navio que carrega a carga que não queremos receber; é o carteiro que entrega a conta que não queremos pagar. A culpa é o mais profundo buraco que a alma pode ter, pois ela nunca vem sozinha.
A culpa acompanha o luto, seja qual for o tipo: pela perda de alguém que partiu fisicamente ou emocionalmente de nossas vidas; pela culpa de não ter dito certas coisas enquanto aquela pessoa ainda estava presente; de não ter se expressado da melhor forma; de não ter feito algo a mais ou de ter feito algo que magoou ou machucou. Mas a culpa precisa ir embora. Esse é o dever dela, pois, embora ensine, não deve permanecer — caso contrário, ela te consome aos poucos.
Essa é a temática central da música "Count Me Out", do álbum Mr. Morale & the Big Steppers. Nesse trabalho, Kendrick Lamar expõe seu lado mais vulnerável, suas falhas e questões internas: desde o machismo que lhe foi ensinado e a masculinidade tóxica, até o sofrimento do homem negro como alguém sensível em uma sociedade que impõe que homens sejam seguros e insensíveis.
Para o homem negro, essa pressão é ainda maior, pois nem mesmo o direito à raiva lhe é concedido, sob o risco de cair no estereótipo de alguém violento e sem classe. Kendrick explora todos esses temas no álbum, que é o meu favorito. Contudo, a música que mais me toca é "Count Me Out", onde ele aborda culpa e arrependimentos. No primeiro verso, um coral canta:
"Podemos não saber qual caminho seguir nessa estrada escura"
Aqui, Kendrick mostra-se perdido. Mais adiante, entendemos que ele está "caindo" em suas próprias palavras. Nos versos seguintes, Lamar afirma que, em uma dessas vidas, ele vai consertar seus erros. Para mim, isso carrega uma dupla interpretação: a ideia de reencarnação, como se seus erros fossem pesados demais para serem resolvidos nesta vida, ou a noção de que, ao buscar melhorar, vivemos uma nova vida, nos tornamos um novo "eu".
Ao longo da música, Kendrick admite sentir culpa e vergonha de si mesmo, machucando-se emocionalmente devido a esses sentimentos. É dessa dor que nasce o refrão:
"Eu amo quando você me exclui"
Para mim, esse verso revela que Kendrick encontra alívio quando as expectativas sobre ele são retiradas. Quando ninguém espera algo grandioso dele, ele sente que pode se entender, se conhecer e criar uma nova versão de si mesmo. Estar sozinho pode ser assustador e trazer um frio sepulcral à vida, mas é nessa solidão que encontramos força e descobrimos coisas que não percebíamos quando estávamos cercados pelas expectativas, sejam as nossas ou as dos outros.
Dizer que ama ser excluído é inesperado. É também uma inversão dos valores emocionais que nos são ensinados. Somos seres sociais, e a exclusão geralmente é vista como algo errado, enquanto a solidão não é considerada um caminho válido. No entanto, em meio ao ruído de tantas pessoas que frequentemente não nos conhecem de verdade, talvez a exclusão possa ser algo positivo.
Nos versos finais, Kendrick revela que trabalhou e se esforçou como nunca, acreditando que isso o faria bem, conforme as pessoas ao seu redor diziam. Contudo, ele percebe que esse esforço exaustivo apenas o deixou farto. Apesar de buscar sua melhor versão, ele lamenta que as pessoas não tenham enxergado seu esforço. Kendrick, então, toma uma decisão que muda tudo:
"Eu tomei uma decisão: nunca darei meus sentimentos a você"
Esse verso pode ser direcionado às pessoas que o pressionaram e não o valorizaram, mas também à indústria musical, que frequentemente exige coisas absurdas de seus artistas. Ele decide não entregar algo tão precioso como seus sentimentos a quem ou ao que não lhe faz bem.
Esse momento culmina no ápice da música, quando Kendrick conversa com "Miss Regrets" (Senhora Culpa). Ele diz que quer que ela saia de sua casa — ou seja, do seu coração. O artista reconhece que deu o seu melhor, que tem arrependimentos, e que jamais esquecerá certas coisas. Ele afirma que se esforçou tanto que chegou a sair de si mesmo, mas ainda assim falhou em muitos aspectos. Apesar disso, acredita que Deus viu seu esforço, e é por isso que se confessa tanto e se arrepende.
Kendrick não está completamente curado. Há cicatrizes e dores profundas em sua alma, mas ele compreende que essas experiências fazem parte de quem ele é. Ele conclui dizendo:
"Este sou eu, e eu sou abençoado."
Ele enxerga valor em seus erros, pois eles trouxeram aprendizados, e em suas conquistas, que carregam todo o seu esforço e carinho. A Senhora Culpa precisa deixar sua casa — e as nossas também — para que possamos seguir em frente, seja qual for o caminho. Que nossas casas permaneçam em paz e nossos sentimentos sejam entregues a quem os valoriza e respeita.
"Count Me Out" é, para mim, o ato mais profundo de amor que Kendrick Lamar teve com sua arte e consigo mesmo. É uma música que expõe suas vulnerabilidades e demonstra uma força gigantesca: a de seguir em frente. Ele nos diz que, se não aprender a se amar, pede que o perdoem, pois está tentando.
Conforme os anos passam, encontro conforto nesses versos. Sinto que os ouço com o coração e a alma — um coração e uma alma que têm arrependimentos, mas que reconhecem ser abençoados por tudo o que viveram. Este sou eu, e eu sou abençoado.
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