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Lies of P: o que nos faz humanos?

Claudio Marcos











O que nos faz humanos?


O significado de humanidade é extremamente variado. Um dos aspectos mais conhecidos refere-se à compaixão. Por exemplo, quando um personagem maligno demonstra um momento de bondade, costumamos dizer: “ele também é humano”, como se a humanidade estivesse atrelada à positividade, como bondade, compaixão e amor. Principalmente quando falamos de relações humanas em jogos, normalmente associamos a coisas boas, como Joel e Ellie em The Last of Us, Kratos e Atreus em God of War e vários outros exemplos de personagens que se conectam emocionalmente.


A questão principal é: ser humano também pode significar carregar consigo aspectos negativos? E a resposta é: sim!

A humanidade, ou raça humana, está inserida numa trajetória, no mínimo, conturbada — para não dizer sanguinolenta —, repleta de guerras, desastres e crises ambientais geradas pela própria maldade humana. Mas, tirando a parte do exagero, toda essa negatividade contém elementos menores e que também são vistos como negativos, como traição, raiva, ódio e mentiras. E, é justamente sobre as mentiras que trataremos aqui, especificamente no contexto do jogo Lies of P.



Perdoe-me pela introdução longa, caro leitor, mas eu precisava dizer que, algumas vezes, algo ruim, como uma mentira, é o que nos faz tão especiais e tão “humanos”, como se diz por aí. E para expor isso, darei pequenos spoilers do jogo e algumas missões que me tocaram bastante.


Lies of P, que já apareceu aqui na coluna (você pode ler o outro texto aqui), retrata a história de Pinóquio, mas com uma narrativa mais madura e no contexto de um jogo Souls-like. Diferentemente do livro, em que mentir torna o boneco Pinóquio menos humano, no jogo quanto mais você, jogador, escolhe mentir em prol de algo, mais Carlo, ou Pinóquio,filho de Gepetto, se torna verdadeiramente humano. Essa humanidade adquirida é mostrada com mensagens como “você sente um calor” após mentir.


Uma missão muito especial para mim, na qual eu escolhi mentir, é a do capítulo 8, em que um títere (ou robô) pergunta se um humano e uma máquina poderiam ser felizes juntos. Ele está se sentindo estranho porque cria sentimentos por uma moça do hotel em que trabalha. E você, jogador, pode escolher dizer a verdade e afirmar que humanos e títeres não podem ficar juntos, ou pode optar por mentir e dizer que sim, podem, incentivando o títere a expressar seus sentimentos para a moça e protegê-la de uma situação específica que ocorrerá mais adiante.


Nesse segundo caso, a mentira preserva a humanidade que estava florescendo naquela máquina. Mas, caso falássemos a verdade, ele apenas desistiria e voltaria a ser um ser sem coração e alma. E, falando em coração, é isso o que ganhamos conforme mentimos. Carlo tem um coração de metal instalado por Gepetto, seu criador, e, à medida que mentimos e sentimos o tal calor, esse coração de lata se torna real e começa a pulsar.


Outra missão que me tocou bastante foi no capítulo 9, em que uma moça chamada Bella pede para encontrarmos o parceiro dela, que ficou preso na estação. Ao chegarmos lá, ele está se transformando em um títere zumbi e nos deixa uma carta para entregar a Bella, na qual ele diz que não queria terminar sua vida daquela forma. Quando vamos entregar a carta, ela pergunta o que aconteceu com seu amigo e diz:


“pode falar a verdade, eu sou forte”.

Uma das opções é dizer que ele morreu lutando contra os zumbis e esconder o fato de que ele se tornou um deles, pois esta era a última coisa que ele queria. Aqui, a mentira preserva a imagem do amigo para a moça, fazendo com que ela passe o resto da vida acreditando que seu amigo era um bom homem e lutou até o fim. Caso falássemos a verdade, ela ficaria devastada e pensaria no sofrimento que ele passou ao se tornar um monstro.


Então, até que ponto mentir é realmente algo ruim? Esta foi uma questão que me surgiu após alguns momentos enquanto jogava. Até que ponto devemos sempre ser honestos e, muitas vezes, causar sofrimento a troco de nada? Tanto essas questões quanto este texto podem ser vistos como moralmente questionáveis. Afinal, “como pode um texto sobre mentiras ser positivo?”


Mas essa também foi minha pergunta ao jogo: como pode um jogo em que mentir te torna mais humano, trazer calor e, em alguns momentos, ser o certo? Isso é, no mínimo, curioso e algo a se refletir. Pergunte-se também, leitor, quantas vezes você escondeu algo para não ferir os sentimentos de alguém e se sentiu mal por isso. Você deveria se sentir mal? Isso te torna menos humano? A honestidade integral talvez seja impossível de alcançar e nem sei se deveria ser alcançada; além de ser utópica, poderia também trazer problemas.


É um pouco engraçado que este texto trate de todas essas questões apenas a partir de alguns momentos do jogo, afinal, esta é uma coluna de jogos, certo? Mas este é um ótimo exemplo do impacto que os jogos podem ter: trazer reflexões e fazer com que a gente questione o senso comum. Uma boa história faz isso, e a história de Lies of P é fantástica. No fim, sempre seja honesto consigo mesmo e trate os outros com carinho. Nem toda escuridão é maldosa e nem tudo que reluz é ouro, certo?



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