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Mas qual é o "futuro" da ficção científica?

Gabriel Mello












Falar de literatura pode ser um trabalho bastante incerto. E, para mim, falar de ficção científica pode ser um trabalho ainda mais nebuloso. Talvez porque o sci-fi (abreviação para science fiction) tenha passado por muito tempo despercebido por um público mais geral. E não é à toa que muito leitores até hoje tenham um certo receio de mergulhar em uma leitura que envolve a ficção científica.


Mas, de uma década para cá, o gênero distante pareceu se aproximar de muitos leitores. E claro que o mérito se dá totalmente ao autores especuladores, que perceberam no gênero um certo andar em círculo. Foi preciso apenas um reajuste de propostas para que as pessoas passagem a perceber a natureza especulativa do sci-fi: a capacidade de criar futuros.


Só que antes de nos levar para o futuro, gostaria de fazer uma pequena viagem ao passado. Vamos nessa?


Durante muito tempo, a ficção científica foi um território reservado a uma elite culturalmente reconhecida. Era uma literatura produzida por uma elite e para uma elite, embora possamos identificar vestígios de conceitos modernos dentro do gênero em obras antigas a esta fase mais clássica, como as viagens no tempo e os seres alienígenas. Os grandes exemplos desse primórdio do sci-fi é o próprio "Frankenstein" de Mary Shelley, publicado em 1818, e a literatura de Júlio Verne.

No entanto, foi no século XX, impulsionado por publicações americanas, que o gênero começou a ser mais definido, ganhou popularidade e se firmou nas amarras que viriam a fastar a ficção científica de um público geral. Estou falando de grandes escritores como Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Philip K. Dick e outros que emergiam no gênero, consolidando a ficção científica como um campo literário de elite.


Foi com muitos desses autores que passamos a ter aquele lampejo de signos e símbolos quando alguém nos fala de sci-fi. Viagens no tempo; naves espaciais; robôs; a destruição da terra e a colonização de outros planetas; superhumanos; etc. E não é à toa que para muitos esse é um gênero extremamente repetitivo, porque por muitos anos, quase um século, a ficção científica não parecia sair destes temas. Muitos autores surgiam, mas apenas para reinterpretar algo que já havia sido criado.


Curioso, ou não, que por muito tempo a própria comunidade científica e acadêmica jogou um jogo bem parecido. Quantos artigos não foram produzidos apenas parafraseando um anterior?


E é aqui que chego no cerne da minha discussão: não, a ficção científica não é feita apenas de viagens espaciais. A contemporaneidade, com a discussão do conceito de "ficção especulativa" e com os estudos mais humanizados na área, construiu uma verdadeira rede de especulação com três peças: autores, leitores e pesquisadores.


Nesse movimento, não demoramos para perceber que a ficção científica tem um papel social fundamental: o de criar futuros. Futuros que incluam. Futuros que transformem. Futuros que encantem. Mas também futuros que delatem e que protestem.

Por isso que a ideia mais contemporânea de "futuro" para a ficção científica não é tanto uma distância temporal altamente tecnológica, mas sim um fator altamente social, em que cada autor é livre para especular sobre o que ele almeja ou idealiza como um futuro coletivo.


E claro que eu não poderia terminar este texto sem dizer que durante toda esta coluna, a cada semana, diversos autores, pesquisadores e leitores virão aqui trazer a sua própria especulação do futuro, através das linhas imaginativas da ficção científica.


E muito menos eu poderia deixar de falar ao final deste texto autores que, para mim, são ótimos especuladores, capazes de construir em nós valores através da projeção de um futuro:


  • Leia Nova, de Samuel Delany, para entender onde está a cultura e a arte afro no futuro;

  • Leia Duna, de Frank Herbert, para entender como a alienação é capaz de destruir o nosso futuro;

  • Leia O Céu Entre Mundos, da Sandra Menezes, para perceber que o resgate da ancestralidade construirá um futuro mais harmônico;

  • Leia Klara e o Sol, de Kazuo Ishiguro, para entender onde está nossa humanidade;

  • Leia Justiça Ancilar, de Ann Leckie, para entender a construção do gênero e da linguagem.


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1 Comment


"[...] A ficção científica tem um papel social fundamental: o de criar futuros" Interessante a abordagem, transcrevendo sua evolução e, ao mesmo tempo, desprendendo a ficção científica da evolução tecnológica e abrindo espaço para se perceber a evolução humana no contexto dos avanços científico, social e político. De quebra, vlw pelas indicações!

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