Para onde podem nos levar as palavras? Quando estamos verdadeiramente imersos em uma narrativa, qual é o alcance de nossa jornada? Confesso que tenho ponderado bastante sobre isso ultimamente. Sempre defendi nesta coluna que tanto a Arte (imagem) quanto a Literatura (narrativa) podem ser apreciadas, visualizadas e compreendidas sob a mesma perspectiva. Desde então, tenho me esforçado para encontrar metodologias que nos permitam entender a Arte/Literatura.
Em vários textos aqui, já mencionei como os conceitos parecem se entrelaçar e como, no final das contas, a conclusão mais clara é que não devemos necessariamente buscar uma distinção rígida entre Arte e Literatura, a menos que essa diferenciação tenha uma finalidade investigativa ou histórica. O que pode resumir esse raciocínio é que, de fato, as narrativas são feitas para serem apreciadas visualmente. Uma obra de arte em um museu, concebida para ser observada, possui sua própria narrativa; por outro lado, a literatura, que busca contar algo, acaba por criar imagens em nossa mente.
É com essa convicção que inicio o segmento "Narrativas para Ver" nesta coluna, no qual trarei obras específicas, com um tom de recomendação, seja do campo da Arte ou da Literatura, e com o intuito de criar alguma forma de mediação.
"Duna" é um universo originalmente literário escrito por Frank Herbert, tendo seu primeiro livro publicado em 1965, mas recentemente revisitado através do formato audiovisual sob a direção de Denis Villeneuve, fazendo com que este universo ganhasse mais fãs curiosos. No entanto, muito antes da adaptação de "Duna" em 2021, ou mesmo do controverso longa-metragem de 1973, o universo literário de Frank Herbert já transportava os leitores para uma experiência visual completa. Tudo isso através das palavras.
"Nós seremos um ecossistema em miniatura... Seja qual for o sistema que um animal escolha para sobreviver, deve basear-se num padrão de comunidades interligadas, interdependentes, trabalhando juntas para o objetivo comum que é o sistema." – Trecho do livro "Duna", de 1965.
Seja através da estilística do autor – imersiva e completamente descritiva – ou pela construção de uma ambientação nova, cativante e criativa, a série "Duna" parece ter ganhado imediatamente apreço pelo público criativo. Quando nos voltamos para um objeto artístico, a entrega do nosso tempo e da nossa disposição é automaticamente solicitada. Podemos escolher permanecer, observar, treinar nosso olhar e pensamento, ou dar um passo adiante e seguir para outro objeto. Sinto que com a obra literária de Frank Herbert o mesmo acontece.
O que o autor tem a nos oferecer são reflexões sinceras e profundas sobre nós mesmos. Sobre nossa relação com a natureza; sobre nossas políticas e crenças. Olhar para um objeto artístico nem sempre é confortável, mas a escolha de permanecer é transformadora. E Frank Herbert está ciente desse processo.
No momento em que o autor nos coloca para acompanhar a jornada inicial de Paul Atreides, um arquitetado messias de uma sociedade, até o planeta Arrakis, estamos sendo conduzidos paisagens nunca vistas, mas a viver cenários já conhecidos, e com total autonomia para reimaginá-los. Não falo apenas da "visão" exclusiva das descrições. Todas as camadas, os subtextos, os nuances e as matizes reconstroem uma imagem gigantesca em nossa mente, quase como uma grande colagem mental.
E é por isso que a narrativa de "Duna" é para se ver. Porque esta história nos colocará, mesmo em meio aos desconfortos da Arte, a construir imagens jamais imaginadas, e completamente únicas na mente de cada leitor. É a transfiguração de palavras – caracteres alfabéticos –, dispostas coordenadamente em algumas folhas, em imagens. E isso é Arte/Literatura.
Então, fica o meu convite para que você, leitor, veja as palavras de Frank Herbert e seja despejado no desconforto transformador da Arte. Conheças as exuberantes imagens criadas, e recrie a sua própria.
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