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O terror dá medo?

Atualizado: 2 de jun.

Matheus Maciel, escritor e colunista na Revista Especular









Esta, é claro, é uma pergunta carregada de contradição devido à sua natureza óbvia. Do que mais serviria o terror, senão para causar medo? Melhor, por que precisamos ou queremos sentir medo?


Bem, tratamos aqui anteriormente, no artigo "Algum papel social para o terror" (leia o artigo aqui), como o gênero do terror nas mídias - principalmente a mídia que mais se aproxima de um público generalizado, o audiovisual - se encaixa e quais as questões que levam à sua desvalorização. Ainda que subapreciado, o terror é algo que encontra seu nicho e, de vez em quando, cativa o interesse de um ou outro de fora. Para buscar compreender melhor o efeito das narrativas de terror - ou com elemento de - o interessante é ir à superfície da questão quando se trata do consumo do gênero como se fosse uma droga injetora de adrenalina e perturbação automática, que cabe direitinho na máxima: “mas eu nem senti medo!”.


Para ser justo, voltamos à questão inicial do artigo. Mas talvez a legitimidade de uma obra de terror não seja sempre causar o medo de forma que o impacto extrapole os limites físico-midiáticos. Talvez uma análise de caso explique melhor, vamos lá?


Comecemos pelo tradicional: filmes e séries. É claro, quando escolhemos uma obra, seja romance, comédia, terror, drama, etc., esperamos que a narrativa típica do gênero nos cause algum impacto. Seria bastante contraproducente para "La La Land" se você não torcesse pelo “felizes para sempre” do Sebastian e da Mia. O filme ainda faz questão de brincar com nosso coração, credo. Bem, acaba sendo muito cansativo assistir a um filme de comédia completamente sem graça. Curiosamente, o próprio terror e a comédia acabam compartilhando uma característica em comum: o espectro emocional. Quantas vezes você já deu uma gargalhada sincera (de fazer a barriga doer mesmo) em um filme de comédia? Não te conheço, mas aposto que a proporção entre os filmes de comédia vistos e as gargalhadas pesa para baixo. Com o terror, funciona de forma semelhante: é natural que um ou outro filme já tenha te feito amassar um balde de pipoca de pura tensão, mas, a não ser que o gênero te afete pessoalmente mais que em relação à maioria, a proporção de medo e filmes assistidos também pesa para baixo.


O segredo para entender a pergunta-título deste artigo está na própria ideia do quanto o filme te afeta: o terror acaba se mostrando subjetivo. É claro, nossas reações fisiológicas tendem a padrões evolutivos razoáveis, mas no final das contas, você sente medo do que aprendeu pessoalmente a sentir. O estado do nosso humor, as condições do ambiente em volta (experimenta ver "Corrente do Mal" sozinho, no escuro e com o volume no talo) e nossa trajetória cognitiva são os principais fatores para construir a escalada de medo.

Nos videogames, a situação é mais evidente. O ambiente em que você está quando está jogando já pesa. O jogo rolando multiplica tudo às últimas potências. Se você decidir dar uma chance para "Dead Space" (2008), vai sentir o peso da pancada logo cedo, a premissa do jogo te diz que você estará isolado no espaço sideral, preso com criaturas grotescas que foram fruto do estudo dos desenvolvedores em corpos que sofreram acidentes. Bizarro.



Cena do Jogo Dead Space
Cena do jogo "Dead Space". (Imagem/Reprodução: EA Redwood)


O ambiente do jogo, podemos observar, tem um efeito duplo no jogador: criar uma atmosfera interativa de medo, na qual o jogador é diretamente responsável pelas ações e sofre as consequências; e em segundo lugar, potencializar o ambiente que cerca o jogador. Entretanto, esses fatores não garantem um estado de medo e tensão do jogador. O medo, como já dito aqui, é subjetivo. Às vezes, criaturas mutiladas e a solidão do espaço estilo "Alien" não assustam você. Contudo, a tensão do jogo, o gerenciamento de recursos e a satisfação do avanço de uma narrativa cadenciada te animam e engajam até o fim do jogo, com um gostinho de quero mais. Filmes também acabam funcionando assim. O apelo do status de cult que muitos filmes de terror “tipo B” receberam foi faturado em cima disso. Os filmes experimentais, geralmente com um baixo orçamento, são exercícios cinematográficos e estudos de temas, efeitos e histórias que não ganham espaço no circuito tradicional no cinema. A imersão nesses filmes acaba se mostrando mais árdua que o de costume, mas eles se aproveitam de sentimentos paralelos que florescem ao lado do terror em seus filmes, como o caso do subgênero “terrir”, que dá espaço para humor em filmes do horror, como em "Zumbilândia" (2009), ou em obras que exploram o nojo humano pela violência e fascínio pelo gore, como no controverso "Terrifier" (2016) ou na famosa franquia "Jogos Mortais" (2004 - 2023, por enquanto).


Literatura de terror, por sua vez, se aproveita da elasticidade dessa ideia do terror como paralelismo. Dificilmente seus batimentos cardíacos vão no pico quando ler um conto, mas o fascínio que uma leitura com um ritmo auto-imposto gera é único. Aqui, eu destaco o horror cósmico, que ganhou proeminência na obra de H.P. Lovecraft (1890 - 1937). As histórias de Lovecraft, em grande parte, encontram em seus principais personagens, cientistas ou estudiosos, que desenterram o horror lentamente, uma descoberta de cada vez em seus obsessivos estudos, vide a releitura de "Frankenstein" no conto "Herbert West - Reanimator" (1922) e na curiosidade mórbida do protagonista em "A sombra de Innsmouth" (1931). O pavor não é intenso e imediato, mas uma ideia incômoda e duradoura que se instala em suas ideias enquanto lê.


O terror, portanto, enquanto um gênero que sobrevive bem em multimídia, tende a trazer uma gama ampla de sentimentos e ideias que são - e foram - trabalhadas de forma mais interessante e legítima dentro do gênero, para muito além dos tradicionais sustos - popularmente chamados de jumpscares - ou de uma catatonia agressiva. O gênero dispõe de muitos caminhos e possibilidades para mostrar à humanidade do que ela tem medo, do que ela pode ter e, também, do que ela deveria ter.

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