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O uso da palavra escrita como arte visual

Gabriel Mello é autor de ficção especulativa e pesquisador de Arte/Literatura










Dentro do mundo da criação artística, como é que as palavras se encaixam no contexto das artes visuais? Como os artistas se aproximam da escrita e, mais especificamente, da literatura, ao darem vida às suas obras? Como tudo isso é possível, ao ponto de podermos analisar a Arte a Literatura sob a mesma lente?



Ao longo do século XX, firmava-se um diálogo intenso entre as artes visuais e a literatura, à medida que as fronteiras entre diferentes formas de expressão artística gradualmente se desfaziam. Era o amadurecimento da forma como a arte olhava para si mesma sendo feito. Esse fenômeno estabeleceu uma relação íntima entre as artes, especialmente ao quebrar as barreiras entre o texto e a imagem. Poetas logo se deram conta da dimensão visual das palavras escritas e das páginas, como foi fortemente visto em tendências concretistas, incorporando elementos gráficos e imagens em seus trabalhos. Da mesma forma, artistas visuais redescobriram a natureza visual da escrita, utilizando grafismos, letras de diversos alfabetos e fragmentos de textos em suas obras, transformando a escrita em um rico elemento gráfico e/ou conceitual.


Essa interseção entre literatura e artes visuais foi um fenômeno recorrente e complexo ao longo do século, manifestando-se de diversas maneiras, que estabeleceram múltiplas conexões, mas sem seguir necessariamente uma hierarquia fixa.


Assim, a produção contemporânea em poesia visual carrega toda essa bagagem histórica da própria experimentação, além de revelar uma diversidade incrível, e uma ampla gama de investigações. A prática transforma palavras, letras e códigos verbais em recursos visuais que dialogam com outras formas de expressão. Alguns trabalhos na arte contemporânea brasileira exploram novas formas visuais através do uso da palavra e, em outras instâncias, a palavra poética ganha materialidade em instalações multimídia, objetos, performances ou intervém nos espaços públicos das cidades.


A partir do diálogo entre literatura e artes visuais, impulsionado pelo modernismo e pelas neovanguardas, as fronteiras entre as categorias tradicionais de arte tornaram-se mais flexíveis. Pintura, escultura, fotografia, literatura, objeto, desenho, colagem, entre outras formas de expressão, passaram a dialogar e se misturar, possibilitando experiências artísticas sem limites definidos, e esse passo é fundamental para compreender a arte do hoje. No começo deste século, surgiam obras que poderiam ser identificadas tanto como poesia visual (uma categoria da literatura) quanto como pop arte, sem contradições.


A palavra escrita, como material para a composição de pinturas, desenhos ou instalações, ainda desperta o interesse de jovens artistas brasileiros que exploram a cultura e a visualidade das grandes cidades. Guilherme Callegari e Ale Jordão são dois exemplos desses talentos. As obras de Callegari, como pinturas, serigrafias e desenhos, incorporam elementos do design gráfico e da linguagem tipográfica, muitas vezes criando escritas ilegíveis ou sobrepondo logotipos de marcas de carros de luxo a elementos do cotidiano urbano.



Já a artista Verena Smit utiliza os meios digitais como um espaço privilegiado para a divulgação de sua produção poética e visual. Suas obras exploram a linguagem e a palavra poética, frequentemente abordando temas como relacionamentos amorosos e suas complexidades. Na Ocupação Poética de 2019, promovida pelo Centro Cultural São Paulo, duas instalações concebidas por Smit foram expostas: um letreiro em neon com a frase "Desesperar, jamais" e um relógio que substitui números por letras, formando sequencialmente as palavras Arte, Tempo, Medo e Mudar.



A linguagem escrita, além de servir como elemento gráfico-poético nas obras, capaz de desconstruir significados, também pode ser empregada na elaboração de discursos teóricos sobre o processo de trabalho dos pesquisadores em arte, contribuindo para uma compreensão mais profunda da obra como um processo em constante evolução.


O passo que a Arte deu por si mesma representa um verdadeiro deleite para todos nós, tudo isso a partir da possibilidade de ver Arte e seus significados em diversos locais e manifestações, sem as antigas e rígidas limitações, conhecendo caminhos cada vez mais diversos e acolhedores.

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