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Foto do escritorNathália Bonfim

Os mistérios rúnicos em "Midsommar"

Nathália Bonfim











É, talvez eu goste só um pouco de Midsommar - O Mal Não Espera a Noite (2019), visto que essa já é a minha segunda coluna sobre o filme. 


Em “Os terrores diurnos em Midsommar, fiz um apanhado geral sobre o filme, comentando principalmente sobre as estratégias utilizadas para construir um filme de terror que se passa quase inteiramente de dia. E que o elemento chave está nos detalhes escondidos nos cenários, nos objetos, nas roupas e nas tapeçarias.


Ainda há um detalhe ainda mais especial utilizado no filme: as runas nórdicas.



Mas, afinal, o que afinal são as runas? 


Segundo Edred Thorsson (2019), em “Futhark: O Oráculo Sagrado das Runas”, a palavra “runa” tem primariamente o sentido de mistério e segredo, associada a um conceito sagrado, antes de ter unicamente um uso prático de escrita, como um alfabeto. No alemão moderno, seu correspondente é raunen, que significa “sussurro”.


Sendo assim, as runas são signos com significado religioso ou mágico, que expressam fluxos de energia em relação ao indivíduo, a natureza e o próprio universo. Cada uma delas possui valor triplo: apresenta uma forma (o desenho e valor fonético); ideia (seu conteúdo simbólico); e um número (sua relação com as outras runas do alfabeto em que está inserido).

Na mitologia, Odin (deus escandinavo da sabedoria, magia e conhecimento oculto) é quem recebe o segredo das runas após passar 9 noites pendurado na árvore sagrada Yggdrasil em sacrifício, no intuito de descobrir os mistérios da vida, da morte e adquirir conhecimento e sabedoria. E é por intervenção dele que essa sabedoria é passada aos seres humanos, que a utilizam tanto como instrumento mágico prático e de divinação.


No filme de Ari Aster, nos deparamos com uma comunidade do interior da Suécia  que vive de forma isolada da sociedade contemporânea, e tem sua rotina marcada por eventos ritualísticos e religiosos ligados à celebração da vida, da morte e da natureza. Dani (Florence Pugh), nossa protagonista, viaja com seu namorado e um grupo de amigos para celebrar o solstício de verão - o Midsommar - junto à comunidade, à convite de um dos amigos de seu namorado, Pele, que é nascido no lugar. 


Durante todo o filme é possível observar, de forma mais direta ou mais escondida, várias runas marcadas nas paredes das casas, na disposição de móveis, e, até mesmo bordadas nas roupas dos personagens, que não são escolhidas por mera coincidência. Como existem muitas combinações e exemplos no filme, irei me ater apenas à representação das runas da roupa de Dani - Raidho () e Dagaz ().



Raidho é uma runa associada à existência de uma jornada a ser percorrida, e seu signo em si é associado à uma carroça. Entretanto, não necessariamente significa uma jornada linear e tranquila, uma vez que os mistérios de Raidho podem expressar uma transformação cíclica - atingir um objetivo pode não ser uma conclusão, mas sim uma transformação, e um novo rumo a partir daí deve ser tomada. 


Já Dagaz é a runa associada ao dia. Mas não simplesmente a plenitude do dia em si, mas sim o perceber da luz diurna após uma noite escura, ou seja, é a runa do despertar. “Dagaz é aquele momento/lugar no qual a escuridão e luz, prazer e dor, vida e morte, alma e corpo, matéria e energia se sintetizam em um conceito comum que transcende a sua oposição percebida.” (THORSSON, p. 103, 2019). 


É importante notar aqui que ambas as runas encontram-se invertidas na costura da roupa de Dani, o que pode significar que as runas tem seus significados “negativos” ativados deste modo (semelhante ao que acontece com cartas de tarô quando tiradas de forma invertida). Raidho invertida, dessa forma, pode significar que, para além de uma jornada turbulenta, ela pode ser regada a desilusões, conflitos e tragédias.


Dagaz é uma runa que, convencionalmente, é irreversível em seu sentido de leitura, mas o filme pode ter tomado uma liberdade poética para demonstrar que Dani ainda não despertou em sua jornada ou que talvez esteja presa na escuridão da noite do seu luto (logo no início do filme a protagonista perde a família inteira de forma trágica). 


Dessa forma, podemos especular que as runas bordadas nas roupas dos personagens são tanto um reflexo do que já são, quanto do que pode estar por vir. Podem ter caráter divinatório e profético, ou apenas reafirmar o que cada um, dentro dessa história, já sabia que deveria passar. Dani precisa enfrentar e enxergar o seu luto de outra forma: ela precisou passar pelo que teve que presenciar durante o festival (e aqui não darei muitos spoilers, claro) para conseguir despertar de sua inércia, e a partir daí, conseguir construir uma nova jornada para si mesma. 


Existem muitas outras runas em Midsommar, existem muitos outros mistérios, e sussurros do universo, basta olharmos com atenção. Quais outros segredos você consegue enxergar?



Referências Bibliográficas

THORSSON, Edred. Futhark: o oráculo sagrado das runas. Editora Pensamento, São Paulo. 2019.

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1 Comment


Nathália, fiquei curioso agora, preciso assistir o filme... e treinar a interpretação - afinal já faz um tempo. Gostei do recorte e da fluidez com que nos faz imergir nele. Parabéns!

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