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Por que não podemos enxergar obras de arte como documentos históricos?

Gabriel Mello











É muito comum sermos levados a um sentimento fantástico quando olhamos para uma obra de arte do passado, principalmente para aquelas que, aparentemente, se comprometem em nos mostrar algo que era. Nós nos posicionamos como verdadeiros expectadores curiosos em frente à obra, prontos para assumir nossas vestimentas científicas, investigando cada detalhe em busca de relatos do que um dia já foi.


Mas isso é um erro bastante grave...


Diferentemente do que acontece com a literatura, que parece nos deixar claro desde o começo que toda a experiência que iremos encontrar nada mais é do que ficção, quando somos colocados em contato com obras de arte, normalmente costumamos assimilar o que vemos com o real.


Isso se aplica para as obras de artistas contemporâneos – porque queremos a todo momento que aquela arte tenha relação direta com a vida do artista –, mas principalmente com obras canonizadas, que se vestem de um realismo realmente encantador, e que normalmente trazem temas históricos como inspiração, mas que têm pouquíssimo compromisso com a realidade.



Um exemplo claro para ilustrar o que quero dizer é a pintura "Casamento de D. Pedro I e D. Amélia" (1829), de Debret. A tela foi uma encomenda de D. Pedro I, que queria garantir o registro do seu casamento com Amélia, mas que, se deparando com um cenário pouco europeu do casamento – afinal, a cerimônia foi realizada no Brasil –, logo pediu para o artista fazer mudanças no cenário do casamento, assim como alterar algumas cores e até mesmo ocultar aquela "atmosfera tropical".


E, pasmem, quem nos conta isso não é a pintura, mas sim registros em escrito de D. Pedro para Debret, encontrados e autentificados por historiadores. Nessa confusão toda, a tela "Casamento de D. Pedro I e D. Amélia" pouco se preocupou em reafirmar a sua veracidade, funcionando apenas como um luxo da corte, mas que ainda assim carregava o seu poder de convencimento, fazendo todos que não estavam presentes na ocasião – inclusive nós mesmos! – acreditarem firmemente que aquela cena refletia exatamente o seu acontecimento histórico.


E em nenhum momento Debret quis que sua arte fosse um documento histórico. Ele só queria pintar e reafirmar seu papel de artista oficial da corte. Mas por que nós insistimos em colocar Debret e diversos outro artistas na posição de historiadores, ou meros "capturadores do real"?

É bastante interessante notar como, mesmo diante de evidências que apontam para a falta de veracidade histórica em muitas obras de arte, continuamos a atribuir a esses artistas o papel de testemunhas do passado. Preferimos ignorar o fato de que a arte, por sua própria natureza, é uma expressão subjetiva da realidade, moldada pelas intenções e perspectivas do artista.


Por isso lhe pergunto, leitor, você conseguiria ler obras do passado da mesma forma sem o conforto desse privilégio falso? O de que estamos enxergando o passado com os nossos próprios olhos?


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