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Por que o Brasil não ocupa um lugar fixo no centro do entretenimento do Terror e da Fantasia no mundo?

ENSAIO por Davi Royalty







Há séculos, o entretenimento se provou mais do que um instrumento de “livrar-se do tédio” para o povo, como também mostrou-se sendo uma ferramenta que mantém a história gravada na mente dos mais jovens, e uma forte arma de manipulação. Na franquia de jogos digitais “Civilization”, por exemplo, você, como jogador, recebe como objetivo de jogatina “dominar o mundo inteiro”, e o jogo te fornece algumas possibilidades para sua vitória ser válida, seja por Dominação Militar, Diplomacia, Religiosa, Científica e ou Dominação por Cultura. Sendo assim, podemos entender que a 2K, com desenvolvedora do jogo, enxerga que há mais de um caminho para controlar o planeta, para além da guerra armada, sendo alguns até mais efetivos, silenciosos e pacíficos. Afinal, se você dominar a mente, o tempo e o descanso de todo povo inimigo, qual deles vai apoiar a nação e ir contra você?


Se isso é uma realidade dentro dos computadores, pode a “Vitória por Dominação Cultural” ter alguma realidade no mundo que a gente vive? E se sim, os países estariam travando hoje uma guerra silenciosa debaixo dos nossos narizes? E por que o Brasil. um país com uma história tão rica e única, além de uma cultura tão viva e amada, estaria perdendo com folga essa competição? Ou, no caso do Brasil, seu buraco é mais fundo e ele estaria em uma situação pior do que a de perder essa competição? Afinal, mesmo tendo todos esses pontos positivos, este estaria sendo unicamente comercializado internacionalmente como um país raso de pobreza, crime e perversão sexual?


A história mundial é marcada por exemplos em que a cultura emergiu como uma força influente, deixando uma impressão duradoura nas dinâmicas globais. Um caso notável é a contribuição da cultura chinesa para o cenário internacional. Com o crescimento econômico do país, a disseminação da língua mandarim, a popularidade da culinária chinesa e o reconhecimento internacional do cinema chinês – com Jackie Chan e outros grandes atores – a China tem consolidado uma presença cultural marcante. Paralelamente, a Índia, com sua indústria cinematográfica vibrante (Bollywood), é um exemplo claro de como a cultura pode ultrapassar fronteiras nacionais e exercer uma influência notável. Esses casos destacam que a vitória por meio da dominação cultural não apenas é viável, mas também se revela como uma estratégia eficaz para nações que buscam afirmar sua presença e impacto no cenário global.


Em diversos séculos a cultura foi protagonizada por países diferentes, a Mesopotâmia já foi o lugar mais poderoso, seguido por Egito, Grécia e, séculos no futuro, Reino Unido e Estados Unidos. Os países nessas disputas tentariam ao máximo ter vantagens em cada pequena área, e hoje é inegável que o protagonista mundial do entretenimento e cultura são os Estados Unidos, exportando todo tipo de material cultural como filmes, séries, músicas, livros e jogos. Mas há países que tentam disputar o mercado da cultura, e até conseguem. A França, por exemplo, com seus filmes e pinturas; a Rússia com seus livros e jogos; ou a Coreia do Sul sua música, seus filmes e seus doramas. Mas por que o Brasil não consegue ter seu lugar fixo de destaque no pódio?


Nesse sentido, a falta de ter a cultura brasileira como o centro da narrativa do terror e da fantasia pode ter diversos motivos, exceto a qualidade e as inspirações. Nas últimas décadas, é inegável que a qualidade desempenhada pelas produções cinematográficas americanas vem sobressaindo sobre as produções brasileiras, com os investimentos e retornos recebidos pela indústria dos filmes e das séries, algo que se mostra previsível e até mesmo capaz que continue a acontecer por muito tempo. Agora, a dominação cultural infligida no mundo é uma medida pensada e estratégica, como arma de guerra? Ou é apenas uma consequência do trabalho árduo de pessoas extremamente talentosas com a vantagem do dinheiro? Ou, talvez, como terceira opção, a cultura que hoje está sobre os holofotes está nele pelo motivo de que ela é simplesmente superior às outras?


Doramas coreanos são famosos por sua qualidade, além da quantidade absurda de produções em catálogos de streamings atuais. Hoje eles têm muitos fãs ao redor do mundo, mas é fato que o governo sul-coreano, que antes era totalmente irrelevante no cenário cultural mundial, sendo totalmente esquecido por décadas comparado aos seus vizinhos do continente asiático, vem investindo grande parte de sua verba na cultura, e certamente essa estratégia está funcionando como nunca! A cultura coreana vem sendo espalhada fortemente pelo mundo como um meteoro cada vez mais poderoso ao passar dos anos. O PIB coreano de 1.67 trilhão, mas ainda é menor que o brasileiro, de 1.92 trilhão (Fonte: Banco mundial - Ano de 2022). Entretanto, a Coreia do Sul vem investindo quantias absurdas em cultura; só em 2020 o país investiu 25 bilhões de reais em cultura, mais do que oito vezes o que o Brasil pretende investir por ano até 2027 (3 bilhões anuais), e isso é certamente um dos motivos pelos quais a cultura coreana vem emplacando sucesso viral a cada ano que passa, passando por música pop no topo da Billboard às séries no top 1 da Netflix.


O Brasil tem uma cultura que perpassa por seres mitológicos como Saci Pererê, Cuca, Curupira, entre outros, os quais dariam ótimos filmes de terror ao terem esses protagonistas sozinhos ou juntos. Também temos histórias reais que se passaram no grande território brasileiro e vêm sendo esquecidos pelo tempo, como Luiz Gonzaga, Lampião, Chico Anysio e grandes gênios científicos como César Lattes, que teve como grande conquista descobrir uma nova parte do átomo; ainda assim, teve seu Nobel da física “roubado”, sendo-o creditado ao seu chefe, um italiano.


Talvez seja o próximo passo para o Brasil ter sua cultura como o centro da arte e da ficção especulativa; o país começar a realmente apoiar grandes nomes nacionais e valorizar sua própria cultura. Mas, no fim, dificuldades no meio do processo sempre servem para fortificar uma grande vitória. Vale lembrar que mesmo Hollywood sendo a estrela que é hoje nasceu de uma grande dificuldade: iniciar o cinema nacional americano enquanto fugia de Thomas Edison, o patenteador da máquina filmadora utilizada na época, sabendo que se Edison os alcançassem os processariam e tomariam suas câmeras.


Na ficção especulativa o Brasil tem muito material original a ser publicado. No campo da literatura, autores como Machado de Assis e Clarice Lispector têm atravessado fronteiras culturais, conquistando leitores além das fronteiras nacionais. Esses exemplos ressaltam que, apesar dos obstáculos, a cultura brasileira possui elementos cativantes e inovadores capazes de capturar a atenção global e, possivelmente, reverter a falta de destaque que o país experimenta em certos cenários culturais. Machado de Assis, conhecido como o "Bruxo do Cosme Velho", não apenas construiu mundos fictícios, mas também teceu comentários afiados sobre a natureza humana. Suas obras, como "Dom Casmurro" e "Memórias Póstumas de Brás Cubas" desafiam fronteiras linguísticas e culturais, explorando temas universais de amor, traição e existência. Clarice Lispector, por sua vez, com sua prosa introspectiva, oferece uma visão profunda da alma humana em obras como "A Hora da Estrela" e "A Paixão Segundo G.H".


No vasto panorama da literatura brasileira, vislumbramos uma riqueza de elementos narrativos que, se devidamente explorados, têm o potencial de estabelecer o Brasil como o epicentro do Terror e da Fantasia. A cultura vibrante, permeada por mitos e seres lendários, oferece um vasto repertório de inspiração para narrativas envolventes e únicas. Esses seres mitológicos, muitas vezes negligenciados, são tesouros narrativos que, quando trazidos à luz, podem proporcionar uma perspectiva única e autêntica ao cenário global de terror. Além disso, temos uma rica tradição de histórias reais que poderiam ser transformadas em narrativas de fantasia cativantes, oferecendo um terreno fértil para a criação de enredos que mesclam o real e o imaginário. Essas narrativas podem ir além de fronteiras, apresentando ao mundo um Brasil multifacetado, repleto de nuances que vão além dos estereótipos convencionais de pobreza, fome, criminalidade e sexo.


Machado de Assis e Clarice Lispector, como mencionado anteriormente, não apenas atravessaram fronteiras com suas obras, mas também lançaram as bases para uma literatura brasileira que explora as complexidades da condição humana e hoje a liberdade de criar em cima da cultura ainda é maior do que na época desses autores onde o brasileiro comum tem oportunidades de estudo muito além de livros da biblioteca da cidade. Com todos criando e deixando a criatividade desbravar em nossos escritos podemos estabelecer o Brasil como um ponto de referência obrigatório no universo do terror e da fantasia. Portanto, ao reconhecer e valorizar esses elementos distintos da cultura brasileira, podemos não apenas enriquecer a narrativa global, mas também consolidar o Brasil como o epicentro de um gênero literário que há muito espera ser explorado em sua plenitude.





Conteúdo presente na edição de JANEIRO DE 2024 da Revista Especular. Leia este e mais conteúdos em revistaespecular.com.br. A Revista Especular é um selo do GRUPO EDITORIAL LUMINAR


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