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Primórdios da Ficção Científica e sua base no Terror: Explorando "O Prometeu Moderno"


Boris Karloff como Frankstein no filme Frankstein (James Whale), de 1931

Introdução

A ficção científica é um gênero literário que se desenvolveu ao longo de diversos séculos, transformando-se a cada um, mas, aparente e essencialmente, sempre explorando conceitos científicos e tecnológicos em contextos imaginativos. Um dos pontos de partida fundamentais para a ficção científica moderna é a obra "Frankenstein; ou, O Prometeu Moderno", escrita por Mary Shelley e publicada em 1818. Essa icônica narrativa não apenas marcou o início da ficção científica, mas também estabeleceu uma interseção intrigante entre os dois, o que levou muitos críticos a elucidarem acerca das raízes da ficção científica dentro dos viés do terror. Neste artigo, exploraremos como "Frankenstein" se conecta com o gênero de terror e como essa interação foi crucial para a emergência da ficção científica.


A Concepção de "Frankenstein" e seu Contexto

Sobretudo, a concepção de "Frankenstein" ocorreu durante um período caracterizado por profundas mudanças culturais e científicas. O início do século XIX daria palco à Revolução Industrial e diversas transformações decorrentes das revoluções políticas e sociais. A ciência dilatava-se no momento, estava se expandindo, e os avanços tecnológicos e científicos despertavam uma inegável mistura de fascinação e apreensão na sociedade.

A concepção de "Frankenstein" ganhou vida durante o verão de 1816 na Villa Diodati, na Suíça, onde Mary Shelley, acompanhada por seu marido Percy Bysshe Shelley, Lord Byron, John Polidori e Claire Clairmont, buscaram refúgio das tensões e influências da Grã-Bretanha. O clima adverso e a atmosfera melancólica desse período foram exacerbados pelas cinzas vulcânicas liberadas pela erupção do Monte Tambora em 1815, que obscureceu o sol e criou um ambiente sombrio e inspirador.

Muito mais do que uma especificidade climática, Mary Shelley foi influenciada por debates filosóficos e científicos da época, o que a levou a conceber a premissa de "Frankenstein" durante esses encontros literários na Villa Diodati. O contexto intelectual do período incluía discussões sobre vitalismo, a natureza da vida e a ética do progresso científico. A alquimia medieval e as especulações sobre a possibilidade de reanimar a matéria morta também exerceram influência sobre a trama do romance.


O que pode deter o coração determinado

e a vontade decidida do homem?

Mary Shelley


A Ciência em seus estágios nascentes soa pavorosa

Há uma relação entre a ciência em seus primeiros estágios e o sentimento de pavor, e esse tema percorre os corredores do tempo, desencadeando reflexões profundas sobre limites humanos e um canônico medo daquilo que ainda é prematuro. O contexto de Mary Shelley não poderia ser mais propício para a criação de um clássico que fundisse dois dos principais gêneros especulativos: Ficção Científica e Terror.

Nos primórdios da ciência, quando o entendimento humano estava apenas começando a esboçar os contornos da realidade, muitos dos avanços científicos eram rodeados por um véu quase místico de mistério. O desconhecido, como é inerente à condição humana, muitas vezes despertava temores profundos e sombrios. A alquimia medieval, precursora da ciência moderna, frequentemente envolvia experimentações obscuras que ecoavam no território do sobrenatural, buscavam seus resultados nele, e alimentava os medos da época.

Foi nesse contexto histórico que Mary Shelley concebeu "Frankenstein". A trama do romance se desenrola com Victor Frankenstein, um cientista ambicioso que desafia as barreiras da vida e da morte, procurando reanimar a matéria morta e criar vida artificialmente. A criação do monstro por Victor Frankenstein é um exemplo notável da dualidade: esclarecer e temer. Ao reanimar um corpo morto através de experimentos científicos audaciosos, Frankenstein desafia as leis naturais, envolvendo o romance em uma atmosfera clássica de ficção científica. A exploração das fronteiras da vida e da morte, a manipulação de tecidos e órgãos para criar um ser vivo e as reflexões sobre a ética da criação são componentes que se alinham à tradição da ficção científica, que busca desvendar os mistérios do universo e do potencial humano.

Contudo, a história também é impregnada de um intenso sentido de terror. Esse terror emerge na forma da rejeição e alienação sofridas pelo monstro, que é deixado à própria sorte pelo seu criador. A jornada do monstro em busca de compreensão e aceitação faz ecoar temores universais, tais como a solidão, a exclusão e a incompreensão. Esses elementos emocionais, tão essenciais para o terror gótico, adentram o coração da história, abordando a natureza humana e as consequências de nossas ações.

A ambientação sombria e a atmosfera gótica do romance também desempenham um papel vital na associação com o terror clássico. A descrição vívida de cenários como o laboratório macabro de Frankenstein ou a tundra ártica onde os eventos finais se desenrolam contribuem para a criação de um clima de inquietude e desconhecido. Esses elementos visuais e sensoriais evocam sentimentos profundos de apreensão e incerteza, traduzindo-se em uma experiência genuinamente aterrorizante para os leitores.

No cerne da dualidade entre ficção científica e terror em "O Prometeu Moderno" reside a interconexão entre as questões morais, filosóficas e emocionais inerentes à condição humana. A busca pelo conhecimento e pelo avanço científico colide com os limites do poder humano e a responsabilidade pelas consequências de nossas ações. Essa intersecção resulta em uma narrativa que, embora seja construída por elementos de diferentes gêneros, oferece uma exploração profunda da psique humana e das complexidades que moldam nossa busca por entender o desconhecido.


"Frankstein", cena do filme de 1931


"O Prometeu Moderno" e a Metáfora do Desafio Científico

O subtítulo alternativo de "Frankenstein", "O Prometeu Moderno", transcende as páginas do romance para incorporar uma metáfora poderosa que ecoa ao longo dos tempos. Essa conexão com o mito grego de Prometeu, que desafiou os próprios Deuses ao roubar o fogo para presentear a humanidade, oferece uma profundidade adicional à narrativa de Mary Shelley, estabelecendo um paralelo intrigante entre a mitologia antiga e a busca pelo conhecimento científico na era moderna.

O mito de Prometeu personifica a audácia do ser humano em sua busca incessante por poder, conhecimento e progresso. Ao desafiar os Deuses e proporcionar à humanidade uma chama que simboliza o domínio sobre o fogo, Prometeu encarna a noção de que os seres humanos são capazes de conquistar feitos anteriormente inalcançáveis. Da mesma forma, Victor Frankenstein se encaixa nesse arquétipo do "Prometeu Moderno", ao se aventurar a penetrar nos reinos da criação e da vida, dominando o que antes era considerado um domínio divino.

No entanto, a metáfora do "Prometeu Moderno" também serve como um alerta sigiloso e solene da autora sobre as consequências potencialmente trágicas da ambição humana desenfreada. Esta como outra inerente preocupação dos avanços de uma nascente ciência. A busca por desvendar os segredos da vida através da ciência, assim como o roubo do fogo por Prometeu, acarreta riscos significativos e dilemas morais complexos; assim, a metáfora sugere que, embora a busca pelo conhecimento possa impulsionar a humanidade a alturas admiráveis, também pode desencadear catástrofes imprevisíveis que ultrapassam o controle humano.

Não é prematuro dizer que a associação entre "Frankenstein" e o subtítulo "O Prometeu Moderno" extrapola a própria história, incorporando uma metáfora profunda e atemporal sobre os anseios humanos por conhecimento e progresso. Essa conexão enriquece a compreensão da narrativa e ressalta a importância de equilibrar a ambição científica com uma compreensão clara das consequências potenciais, uma característica comum no gênero da ficção científica. A metáfora de "O Prometeu Moderno" permanece como um lembrete poético das complexidades inerentes à exploração dos limites do conhecimento humano.


Considerações finais

"Frankenstein; ou, O Prometeu Moderno" de Mary Shelley marca um marco crucial na literatura ao inaugurar o gênero da ficção científica. Sua exploração de conceitos científicos avançados em um contexto de terror gótico demonstra a interseção entre esses dois gêneros especulativos. A história de Frankenstein e sua criação estimulam reflexões sobre os limites éticos da ciência e os impactos de brincar com o desconhecido. Esse casamento entre ficção científica e terror estabeleceu um precedente duradouro, influenciando o desenvolvimento subsequente da ficção científica e a forma como ela aborda questões sociais e científicas.




Conteúdo presente na edição de SETEMBRO DE 2023 da Revista Especular. Leia este e mais conteúdos em revistaespecular.com.br. Um projeto realizado com apoio da EDITORA AURORA.


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