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Foto do escritorMatheus Maciel

Pós-Horror: Uma breve arqueologia do termo.

Atualizado: 2 de jun.

por Matheus Maciel




No longínquo ano de 2017, o jornalista britânico Steve Rose publicou um artigo no The Guardian intitulado “How post-horror movies are taking over cinema” (traduzindo: “Como filmes de pós-horror estão tomando o cinema). No artigo, Rose defende a existência de um “pós-horror” no cinema, ou seja, um movimento cinematográfico que visa trazer uma experiência de filmes de terror que superem os clichês do gênero, ou como o próprio autor defende, “apagar a lanterna e caminhar na escuridão do gênero”.


Em resposta, na época e mesmo alguns anos depois, outros críticos de cinema e estudiosos do tema (ou não) atacaram o óbvio ponto fraco do artigo de Rose: o preconceito que o termo carrega. Tal crítica consiste em que o movimento do pós-horror vem como um certo darwinismo cultural que vai devorar os filmes que supostamente se apoiam em clichês e tomar seu lugar como modus operandi básico do gênero.


Passados alguns anos desde a publicação do artigo e o calor das discussões, proponho aqui uma breve arqueologia dos termos e das ideias. A questão aqui não é endossar críticas ou afirmar posições, mas, como sugere a ideia de arqueologia, trazer à tona uma discussão que perdeu sua força atualmente e compreender seus meandros e significados.


Cena de "Infinity Pool", de 2022, bastante criticado pela sua execução dentro do gênero do Terro. (Imagem/Reprodução: Elevation Pictures)

Primeiramente, falemos sobre a ideia do termo “pós”. No ramo das ciências humanas e das artes também, o “pós” indica um apanhado historiográfico que sintetiza como um tal movimento ou corrente superou seu antecessor. O pós-estruturalismo que veio para superar o engessamento linguístico que reduziam as possibilidades de interdisciplinaridade, por exemplo, ou o pós-modernismo nas artes plásticas, que vieram para criticar a sociedade de consumo, com propostas icônicas, como o Pop Art, encabeçado por Andy Warhol. É possível inferir, portanto, que a ideia de pós-horror exprima um certo afobamento do autor do artigo em ser a vanguarda que compreendeu primeiro a “preciosidade” que é esse movimento superior do cinema. Bem, não dá para fugir muito disso; o artigo crava essa bandeira e os críticos atacaram impiedosamente por essa via.


A ideia de horror, por sua vez, traz uma complexidade mais esmagadora. É este termo em específico que justifica a pertinência dessa coluna temática (juntamente com o gênero de ficção fantástica), portanto, resgatar esse rico debate me pareceu auspicioso para esses primeiros passos.


O que, portanto, foi superado pelo termo “pós” em relação ao horror? Naturalmente, é importante frisar que o conceito estabelecido por Rose cabe à experiência audiovisual, de forma exclusiva. Embora a literatura possa apresentar elementos comuns ao que foi definido como pós-horror, sua trajetória é menos linear. Digo isso pois o cinema é dado a uma condição mercadológica particular. Em linhas gerais, o circuito das salas de cinema e a inclusão em streamings condensam com certa força o que consumimos (para não falar do algoritmo), além do fato de que produzir um filme, por mais curto e simples que seja, é bem mais caro que produzir um livro. As obras acabam sendo selecionadas com mais rigor, sejam quais forem os critérios estabelecidos por quem os financia. O horror do pós-horror, portanto, se dirige aos filmes.


"Considerando que o terror é o lugar onde exploramos nossos medos mortais e sociais, o gênero é na verdade um dos espaços mais seguros do cinema. Mais do que qualquer outro gênero, os filmes de terror são regidos por regras e códigos", afirma Rose no seu artigo

Tais filmes dos quais Rose, no artigo, destaca e trago aqui como exemplos do que, segundo o próprio autor, estabelecem bem os preceitos do pós-horror: Ao Cair da Noite (2017) e A Bruxa (2015), ambos, talvez não por coincidência, entregues ao mundo pela curadoria e distribuição da efervescente produtora norte americana A24. Em ambos os casos dos filmes, o terror é atmosférico e cadenciado. A chave de ambos consiste em suas narrativas pouco reveladoras que mais deixam dúvidas no espectador do que dão respostas. Rose viu nesses filmes, a título de exemplo, uma vanguarda que poderia “evoluir” o gênero no cinema.


Um paralelo teórico semelhante pode ser encontrado no meio literário do horror. O texto O Horror sobrenatural na literatura de H.P. Lovecraft (1890 - 1937), publicado pela primeira vez em 1927, contém um trabalho de resgate do autor ao conceito básico de horror sobrenatural em fragmentos ao longo da história, passando pelo horror gótico, a melancolia de Edgar Allan Poe e o cume do gênero segundo Lovecraft: o horror cósmico. A sua defesa inicial no texto, é que o verdadeiro terror literário será alcançado evitando certas convenções que evocam “sustos fáceis” ou humor. Parece familiar?


Creio que o cerne da questão seja, portanto, a questão fundamental de qual tipo cultural acaba sendo mais válido, afinal. A questão, que foi trazida com Rose, já fora trabalhada em Lovecraft e reflete mais do que uma batalha de qualidade no cinema que é dada exclusivamente pela briga entre autoralidade contra demandas de mercado, mas trata-se da percepção de complexidade e sua confusão com qualidade.

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