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Se a arte precisa convencer, então deus abençoe o Barroco!

Gabriel Mello












Falar de História da Arte sempre é uma tarefa divertida para mim. Deslizar com a história, seja para frente ou para trás, é no mínimo muito curioso. Semana passada, tratamos aqui na coluna de Arte/Literatura o Rococó, um dos movimentos artísticos que mais caiu na estetização contemporânea.



Que a Arte já teve várias funções sociais, isso não é novidade. E que o propósito da Arte hoje vem sendo muito questionado por causa dessa volatilidade, menos ainda. Mas e quando as obras de arte tinham um papel muito específico e bem definido? E quando a Arte precisava nos convencer fortemente de uma ideologia?


Bom, é claro que eu estou falando da nossa primeira estética programada, e totalmente articulada com suas próprias regras e funções: o Barroco! Ah, deus abençoe o Barroco


Eu gosto muito da expressão "deus abençoe o Barroco" porque acho uma sintetização muito bem feita do que a estética foi. E o porquê você vai entender hoje, leitor!

O Barroco por si só tem muitas camadas, e o movimento em si acabou variando muito com o tempo e à medida que foi sendo transplantado para outros países. A tendência barroca surge na Itália, mas não tarda em se espalhar por toda a Europa, indo até mesmo parar na América.


Na matriz, isto é, no seu país de origem, o Barroco nasce com um propósito claro: convencer as pessoas de que o catolicismo é a verdade única, e que o seu deus é absoluto. E, não, esta não foi a primeira vez na história em que a arte ganhou vestimentas religiosas. A grande questão aqui é que pela primeira vez a soberania do papa estava sendo ameaçada, e a Arte teve que se tornar objeto de convencimento.


Estou falando especificadamente dos movimentos protestantes, e das diversas reformas religiosas que ganhavam o continente europeu. E, sem ser uma manifestação passiva ou meramente contemplativa, a Arte foi utilizada como objeto político-ideológico.


Para um questão meramente de estudo, os historiadores da arte costumam organizar as manifestações artísticas em movimentos, seguindo uma linha cronológica. E por mais que haja diversas exceções em toda essa catalogação, podemos dizer que o movimento artístico anterior ao Barroco foi o Renascimento, uma peça fundamental para entendermos essas mudança de abordagem da Arte.


Vejam bem: por mais que no Renascimento tivemos muitas obras com um caráter religioso, sendo inclusive muitas solicitadas pelos líderes católicos, uma preocupação poderia pairar sobre muitas esferas da arte, mas estava longe de passar pela necessidade da catequização. Estamos falando de um momento em que a Igreja comandava várias esferas sociais e políticas. De uma elite apenas em ascensão e jamais em contestação.


Assim, a Arte no Renascimento ia se construindo sem a necessidade de convencer, e muito menos de comunicar a todos. Era até mesmo uma arte incógnita, cheia de neologismos e figuras de linguagens visuais, bastante complexa de ser acessada. Mas quando a soberania católica passa a ser questionada, a abordagem muda. Era a hora de convencer e mostrar a todos o poder do verdadeiro deus.





A cima temos a comparação de duas obras que retratam a mesma temática, famosa na mitologia cristã, e uma passagem do Antigo Testamento, presente no Livro de Judite. Durante o cerco de Betúlia pelos Assírios, a viúva Judite seduz o general Holofernes e quando este adormece, ela o assassina para livrar o seu povo deste tirano. Na mitologia, Judite é acompanhada por uma criada, que tem um saco para colocar a cabeça após a decapitação.


À esquerda, vemos a retratação de Caravaggio (Barroco), em 1599, e à direita a representação de Andrea Mantegna (Renascimento), em 1499/1500. Mesmo as duas obras tendo a mesma temática, o resultado visual é completamente diferente. Como falei, o Renascimento não se preocupava em nos convencer do poder e da verdade de deus; ele pressupõem que já somos crentes, e que a nós cabe apenas a contemplação da sua soberania. Por isso se veste de um mistério mais rígido e sóbrio.


Já a necessidade que o Barroco carrega é a de nos mostrar o poder misterioso de um deus ainda poderoso, mas muito mais impiedoso com os hereges. Na pintura de Caravaggio, as cores passam a ser mais obscuras e misteriosas do que a de Mantegna, e o jogo de claro e escuro parece elucidar em nós uma visão de medo e potência. Sendo estes os valores desejados do Barroco. A estética quer que entendamos o poder divino, caminhando, inclusive, por uma abordagem que nos faz crer em um deus punitivo.


E este é o resultado visual de quando a Arte deseja nos convencer de algo. A imagem está longe ser um elemento passivo, sem influências ou sem ideologia, e nada melhor do que o Barroco para entendermos a potência de uma produção artística assídua, que deseja atenção e que se muna de convencimentos.


E movido totalmente por essa necessidade de nos convencer, o Barroco se torna um movimento artístico, o primeiro deles, completamente programado. A estética transborda suas funções em cada manifestação. E isso porque nem falei das igrejas e do seu luxo! Mas isso deixamos para uma outra semana, não?

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