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Foto do escritorClaudio Marcos

Sekiro e Machado de Assis: a morte não é mais o fim

Claudio Marcos é historiador e professor apaixonado por jogos










Quando se fala em videogame nos últimos anos, muito tem se pensado sobre imersão e grandes histórias, como "The Last Of Us" e "Red Dead Redemption 2", dois grandes jogos dignos de roteiro de filme ganhador de Oscar. Mas, e quando o jogo não quer mais só contar sua história com boas cutscenes e bons diálogos, mas sim com sua gameplay e seu combate? E quando o jogo usa um artificio de voltar à vida, algo tão surreal que só poderia ser verdade dentro de um mundo de ''mentira''?


É pensando nisso que adentro primeiramente na obra de Machado de Assis ''Memórias Póstumas de Brás Cubas'', de 1881, que carrega uma intima ligação com a morte, sendo um narrador que, depois de morto, conta sua história; trata-se de um morto que torna-se escritor, e a morte aqui não é o seu fim, mas sim um começo de algo novo, sendo até mesmo a sua dedicatória:


"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas."

Machado sempre demonstrou um certo fascínio pela morte, sendo percebido desde sua primeira poesia, "Crisálidas (1864)", em que o autor demonstra uma admiração e um conforto pela morte, pelo fim.


Desiludido, exausto, ermo, perdido, Busquei a triste estância do abandono, E esperei, aguardando o último sono, Volver à terra, de que foi nascido. — “Ó Cibele fecunda, é no remanso Do teu seio – que vive a criatura; Chamem-te outros morada triste e escura, Chamo-te glória, chamo-te descanso!” Assim falei. [...] [...] Mas, tu passaste [...] [...]

Machado clama por Cibele, a deusa da natureza, que representa a fertilidade. Por isso diz ''Do teu seio - que vive a criatura'', implorando para que ela entregue a ele um descanso, um fim; aquele que viria promover o seu começo. Machado ia em contrapartida aos movimentos literários e artísticos anteriores, como o romantismo, em que a morte ou era trágica, dolorosa, o fim de tudo, um apagar de luzes, ou então sequer era um tema.


Cito brevemente Machado e sua relação com a morte para falar sobre a vida e sobre a morte em mundos virtuais, como o de Sekiro. Sekiro é um jogo da empresa From Software lançado em 2019, o jogo traz a história de um shinobi que deve proteger a todo custo seu jovem mestre; mestre esse que carrega consigo um sangue amaldiçoado, que o impede de morrer.

Na primeira vez que morremos no jogo, esperamos renascermos como qualquer outro jogo, mas antes de chegarmos a viver de novo, o jovem mestre fala conosco e nos diz ''aceite meu sangue e viva mais uma vez, meu shinobi''. Assim, o jogador escolhe renascer, renascimento advindo do sangue do herdeiro divino, nosso jovem mestre. Aqui, o ato de voltar à vida está não só ligado ao artificio de jogos de que quando morremos podemos voltar para continuar jogando, mas também ligado dentro da própria história de Sekiro, sendo a morte do jogador um fato verdadeiro dentro daquele mundo. No jogo, toda vez que morremos é como se o protagonista tivesse morrido de fato naquele mundo e retornado graças ao sangue divino.


Por ser um jogo da From Software, empresa de Dark souls, Sekiro é um jogo desafiador e difícil em muitos momentos. A morte aqui representa um recomeço de fato, representa um ''vamos tentar de novo até conseguirmos''. O Lobo (protagonista) é determinado e forte para concluir sua missão em salvar seu mestre, enfrentando desde generais de guerra até dragões divinos, sendo seu único impeditivo a força de vontade que ele carrega dentro de si; e essa força a vontade do jogador é a perseverança em continuar naquele mundo, em se superar. O combate de Sekiro conta toda a sua história, desde o primeiro contra Genichiro, que perdemos até o seu combate final, em que Genichiro se torna fácil e até chato, como uma forma de nos falar ''veja o quão longe você chegou''. Mas sabendo que podemos ir mais longe, e o jogo nos coloca em combates ainda mais difíceis e, conforme avançamos, melhores ficamos e mais forte os desafios se tornam.


Sekiro é incrível por se ver como um jogo e utilizar uma linguagem em relação à morte que só uma obra de ficção poderia. Assim como Machado fez em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", trazendo algo incompreensível até àquele momento da literatura. Como pode um defunto autor? Como pode um jogo em que morrer nele é morrer realmente naquele mundo?

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