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Shadowrun: vivendo na pele a harmonização entre alta fantasia e ficção científica

Volnei Freitas










A fusão entre ficção científica e terror vem sendo explorada cada vez mais em mídias diferentes, contudo, em poucas oportunidades observamos a fusão entre ficção científica e fantasia. Imagine, então, vivenciá-la! 


Eis a proposta: compartilhar essa experiência, a fim de entender e explorar tal relação.

Especulando sobre o motivo para uma baixa frequência do casamento entre os gêneros, dois dilemas saltam-me aos olhos: o primeiro trata-se do conflito entre tecnologia e magia, já que ambos a priori disputam o aspecto funcional, o modus operandi da realidade estabelecida. O segundo, a existência de aspectos de cenários de fantasia, como outras criaturas conscientes além dos humanos, em uma sociedade também funcional e que abranja o primeiro dilema resolvido.


Pois bem, vamos a uma introdução sobre o cyberpunk, subgênero de ficção científica selecionado. Antes, uma consideração pertinente: diz-se que aos 40 anos atinge-se a maturidade e, entre as várias definições, ficarei com a do dicionário Michaelis: “estado em que um indivíduo goza de plena e estável diferenciação e integração somática, psíquica e mental”. Por indivíduo, podemos identificar uma pessoa ou uma obra.

 

Obra cabal de William Gibson, Neuromancer atingirá sua maturidade em 2024, por assim dizer. Romance que ampliou a especulação do subgênero de ficção cyberpunk. Publicado em 1980, fala sobre os impactos da evolução tecnológica aliada à da influência político-econômica das corporações, explorando ambientação singular que se diferenciou ao estabelecer uma distopia onde a rede, a engenharia cibernética, a corrupção e o adensamento populacional traduzem-se em piora das condições de vida, agenciamento da criminalidade e abismo social – ou, como comumente resumido, high tech, low life (Alta tecnologia, baixa qualidade de vida).


Perfeito, mas e a fantasia?  A ágil “integração plena e estável” entre os elementos que compõem o cyberpunk permitiu, cinco anos após Neuromancer (e não quarenta), o lançamento do RPG (Role-playing game, o popular jogo de interpretação de papeis) Shadowrun, que aliou o gênero à fantasia e especulou sobre o agenciamento da criminalidade por megacorporações. 


No RPG dessa franquia, que se estendeu a romances, jogos, games e afins, os jogadores entram na pele dos personagens em um mundo impregnado de promessas tecnológicas, espionagem corporativa, uso (roubo) de dados... e magia. Além disso, podem jogar com diferentes raças, como orcs, anões, elfos e trolls


Compartilho minha experiência de viver essa fusão na interpretação das aventuras de minha personagem: senhora de sua vontade, Maka, elfa nascida da nação Sioux, cujo poder foi esculpido na devoção pura à Inyan, cedo voltou-se a espalhar aos ventos a palavra de seu deus…


 Ao lado de diferentes grupos ecoterroristas. 


Entre os conselhos do talismonger Pena-que-Cai e do diplomata Línguas Prateadas, das Nações Americanas Nativas – ou NAN, e dos contatos de Punhos Sujos, ecoterrorista da Terra First, Jackal, irmã tribal desde tenra infância e patrulheira da fronteira das nações, e por fim Michael, cientista mágico da nação élfico-indígena Tir Tairngire, representa o poder do despertar do Sexto Mundo no século XXI, que mutou a realidade, o nascer de crianças humanas em raças fantásticas, despertou criaturas míticas e poderosos espíritos. 


Age do lado de fora da fronteira, sob a identidade falsa de Melissa Anderson, na cidade-estado de Seattle, EUA, cercada por nações, como parte dos shadowrruners, uma elite criminal subcontratada por mega corporações, governos, indivíduos poderosos ou crime organizado. Como dilema pessoal, age em meio à corrupção, buscando manter sua pura essência, que lhe confere poder a partir da realidade espiritual que a cerca, porém, impedindo-a de se mesclar ao simulacro de realidade cyberpunk, cujos implantes limitavam sua capacidade de conjuração.


No Sexto Mundo, entre shadowrunners, ninguém trabalha só. Iniciou sua jornada ao lado de Irish, um anão que, de tantos implantes, caso tivesse uma tampa de garrafa anexada ao seu corpo com alguma função, o jogador perderia seu personagem para o mestre, dado tornar-se mais máquina que humano; AK, humano, shadowrunner veterano; e Little Wolf, orc soldado com muita munição, armas pesadas e pavio curto. Quando necessário, contratavam deckers, hackers especializados em infiltração na rede - a terceira realidade - e outros “profissionais”.


No primeiro trabalho, algo aparentemente simples: esconder uma pessoa procurada no Orc Underground, rede de passagens subterrâneas que se tornou refúgio para meta-humanos de Seattle. Enquanto, os “meninos” guiavam por implantes neurais o veículo, vasculharam ameaças por sensores diversos implantados em seus corpos e empilhavam corpos quando necessário, li a mente do alvo, descobrindo que o segredo para acessar uma relíquia, artefato ancestral dracônico (dragões... seres poderosos que se tornaram líderes das principais megacorporações) estava registrado em seu olho biônico. A pessoa foi escondida..., porém, recuperamos o artefato, que entreguei a Pena-que-Cai.


Trabalhos bem-sucedidos geravam novas missões, originadas a partir dos contatos de Irish, AK e Little Wolf. Na segunda, sequestramos um político que deveria ser identificado publicamente ao lado de humanos xenófobos a fazer uma passeata, que secretamente financiara. Aproveitamos para gravar um vídeo de adultério, onde o seduzi (nem precisei controlar pensamentos; autoconfiança feminina é a melhor arma). Contratamos um rigger, cuja invasão e controle mental de equipamentos propiciou gravar a cena a partir de um drone capturado. Garantiu-nos uma boa recompensa, já que o esconderijo foi invadido; após uma luta tensa contra a polícia e seguranças, os demais escaparam pelo Orc Underground, enquanto fugi levitando.


E assim seguimos: resgatamos uma arqueóloga e outro artefato; confrontamos grupos de sociedades secretas ligadas à tecnologia e gangues de motoqueiros élficos; capturamos um assassino serial que matara a filha de um agenciador em um ritual mágico de sangue mal conduzido; fomos traídos enquanto investigávamos paralelamente à polícia um atentado à bomba ao Orc Underground; e nos encontramos com um dragão. 


Tudo enquanto subcontratamos invasões à redes virtuais corporativas, combatíamos grupos tecnocratas armados e cumpríamos contratos menores e eu lia pensamentos, viajava no plano astral para mapear ameaças e posições, matava ao toque, explodia em chamas inimigos, lia mentes fracas e, magicamente, iludia câmeras que alimentavam em tempo real inteligências artificiais de vigilância. 


Os limites à especulação podem ser traçados por definições, interesses e egos. Todavia, uma folha em branco pode conceber quaisquer fusões entre gêneros, como vimos, livrando a ficção especulativa desses grilhões, seus leitores de paradigmas literários e concebendo pelos jogos de interpretação - RPG - um meio de vivenciarmos ativamente essa experiência. 

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