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"Skinamarink" e nosso primeiros medos

Atualizado: 2 de jun.

Matheus Maciel, colunista









No meio da noite, alguns barulhos brotam da escuridão. A voz dos seus pais ou familiares. Silêncio e o que parece ser a eterna escuridão do seu quarto. Assim é a divisiva experiência de terror do longa experimental Skinamarink, dirigido pelo estreante Kyle Edward Ball, e lançado em 2022, que chegou ao Brasil com a adição de um subtítulo um tanto redundante, Skinamarink: Canção de ninar.


A redundância da qual falei se refere ao fato de que o título do filme é uma canção infantil (também chamada de skidamarink) popular principalmente nos países anglófonos da América do Norte. Um nome apropriado, visto que o filme busca os nossos  primeiros medos: os de infância. Não simplesmente os medos mais abstratos, como monstros imaginários no armário, nem medos tão palpáveis como um cachorro raivoso no meio da rua. Skinamarink transita na área cinzenta entre ambos, o  que pode ser, de formas mais subjetivas, extremamente realista e desbloquear memórias aterrorizantes. Subjetivas, na verdade, é a chave para compreender o filme e as intenções narrativas do diretor. Os medos que espreitam os meninos protagonistas não tomam formas definidas. A narrativa torna-se evidente quando os planos do filme, em grande parte longos e incômodos, parecem sessões de hipnose. O terror na forma pessoal da infância é o grande prêmio que o diretor busca. A cinematografia conta com uma estética granulada típica dos filmes de VHS (fita velha de videocassete) que pode arremeter quem cresceu nos anos 90 e começo dos 2000 ao estilo da cena de Ratatouille, em que o Anton Ego é transportado para um dia ensolarado de sua infância, onde sua mãe fazia uma comida deliciosa. A diferença é que em Skinamarink, você é jogado no meio de uma noite bizarra.


Sobre enredo, este é curiosamente escasso. Não por inabilidade do roteirista, creio eu, mas de forma proposital. A história, portanto, foca nos irmãos Kaylee e Kevin, e se inicia quando Kevin precisa ir ao hospital urgentemente por ter batido a cabeça. O que se segue é difícil de descrever, pois todo e qualquer plano do filme parece altamente interpretativo. A narrativa visual é completamente estilhaçada, e a noção de tempo (e mesmo de espaço, às vezes) é completamente ignorada. Já acordou sem querer de madrugada quando era criança e não conseguiu dormir? Ficar horas olhando para um canto mal iluminado esperando o sono vir. É exatamente essa sensação que Skinamarink quer trazer de volta em você. 


O agravante aqui, é que uma entidade oculta - com uma voz que me fazia ficar petrificado de medo toda vez que aparecia - sussurra coisas estranhas e às vezes até mesmo sem muito sentido para as crianças. A sensação de perigo vai no teto com uma presença que não se revela, não é objetiva mas mostra ser mal intencionada. Em uma casa onde o escuro e o silêncio imperam absolutos, a influência de um agente sombrio como esse parece mais questão de tempo. Isso para não lembrar que os protagonistas são crianças com baixa possibilidade de defesa. Certa cena, para afastar um pouco a sensação de medo, uma das crianças liga a televisão em um desenho animado bem colorido e com barulhos divertidos. A sensação de dissonância que senti vendo isso foi tamanha que o efeito só me pareceu piorar a situação, pois parecia que a escuridão cercava, que qualquer lugar era um ponto cego. É bastante angustiante perceber que ver desenho é a única forma de defesa dessas crianças.


A ameaça externa do escuro e de uma criatura que vaga pela casa em si já é inquietante, mas quando o medo vem de dentro, a casa cai. Certa cena, Kylee conversa com sua mãe, sentada de costas na cama. É um jargão da psicologia associar certas questões pessoais com traumas e outras questões ligadas à mãe e ao pai, mas aqui, essa nota é acentuada. A sensação de que tudo está errado vai ao limite quando alguém que deveria proteger as crianças parece estar fora do lugar. Nem se pensa exatamente na criatura da casa, mas que uma influência estranha paira sobre o lugar, há uma sensação de perda iminente. Isso para não falar dos brinquedos que parecem observar. Ou dos que decidiram ficar colados no alto da parede mesmo.


Tudo isso comentado até agora, relembrando, é uma experiência subjetiva minha ao ver o filme. Claro, as cenas são as mesmas para todo mundo, mas com uma narrativa tão confusa e uma sensação de atordoamento, a experiência leva os sentidos no máximo, e é com nossas próprias sensações e impressões que completamos automaticamente algumas lacunas. É uma regressão à infância poderosíssima, pois o filme projeta uma sombra em uma cena desconfortavelmente longa, e você completa com uma forma. Depois, outra forma. Um barulho, então. Claramente alguém está te olhando. Até as roupas em cima da cadeira parecem cúmplices do mal que se esconde no canto escuro da sua casa.


E por que não seriam?

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1 Comment


Não sou o maior consumidor do Terror, mas "Skinamarink" me deu vontade de explorar o gênero

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