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Sobre dar voz: Marvel apresenta Kahhori, a remodeladora de mundos

Uma análise crítica por NICOLAS R. AQUINO







Enquanto a Marvel Studios trilha seu caminho em direção ao multiverso, a animação "What If...?", projetada para ir além das barreiras já estabelecidas no extenso Universo Cinematográfico Marvel (MCU), apresenta algumas boas histórias multiversais. Esta série animada se propõe a brincar com a linearidade narrativa, proporcionando aos fãs a oportunidade de embarcar por realidades alternativas.


Em um formato de antologia, "What If...?" se destaca ao contar com diferentes perspectivas narrativas protagonizadas por rostos já familiares aos fãs, bem como por apresentar novas faces ao panteão de personagens Marvel. O fio condutor destas narrativas por diferentes realidades é O Vigia, um ser encarregado da missão de observar os eventos cósmicos sem jamais intervir. Através de seus olhos, somos conduzidos por uma jornada que atravessa distintos mundos, épocas e cenários do MCU.


O diferencial desta animação está na habilidade de desdobrar-se por meio de cenários alternativos, onde personagens icônicos da Marvel vivenciam existências diferentes. Seja trocando de lugar com outros heróis, assumindo novas identidades ou recriando momentos marcantes já vistos nas telas de cinema, "What If...?" desafia as expectativas e oferece aos espectadores uma visão divertida daquilo de "o que poderia ter sido se as peças do quebra-cabeça do MCU tivessem se encaixado de maneira diferente".


Pensando nessas peças, no sexto episódio da segunda temporada, intitulado de "E se… Kahhori remodelasse o mundo?", O Vigia nos apresenta a uma realidade onde o Tesseract ganha uma nova vida e uma nova mitologia, transformando um lago em uma porta de entrada para as estrelas e levando Kahhori, uma jovem Mohawk, numa missão para descobrir o seu poder.


Você pode assistir o episódio na plataforma de streaming da Disney, o Disney+: https://www.disneyplus.com/pt-br/series/what-if/7672ZVj1ZxU9



Kahhori usando seus poderes (Imagem: Reprodução/Marvel/Disney+)

Falar da história de origem de uma personagem tão única dentro de uma infinidade de heróis que se assemelham tanto entre si é muito gratificante, especialmente depois de acompanhar todo o processo de construção do episódio em específico que citei, cuja história em si tem a duração de por volta quatro anos, é possível perceber muita pesquisa e construções respeitosas para que a história de Kahhori desse verdadeiramente voz aos Mohawk, um povo indígena de língua iroquesa da América do Norte. Assim, trazendo uma contextualização breve:


"Os Mohawk são tradicionalmente os guardiões da Porta Oriental da Confederação Iroquois, também conhecida como Confederação das Seis Nações ou Confederação Haudenosaunee. Nossa terra natal original é a região nordeste do estado de Nova York, estendendo-se até o sul do Canadá e Vermont. Antes do contato com os europeus, os assentamentos Mohawk povoaram o Vale Mohawk, no estado de Nova York. Ao longo dos séculos, a influência Mohawk estendeu-se muito além do seu território e foi sentida pelos holandeses que se estabeleceram no rio Hudson e em Manhattan. A localização dos Mohawks como a nação iroquesa mais próxima de Albany e Montreal, e os comerciantes de peles de lá deram-lhes uma influência considerável entre as outras tribos. Este local também contribuiu diretamente para uma história longa e maravilhosamente complicada" (Tribo Saint Regis Mohawk).

O projeto foi desenvolvido com a colaboração de membros da Nação Mohawk, com o historiador Doug George e a especialista em língua mohawk, Cecelia King. Nesse sentido, é interessante perceber que o episódio foi quase todo falado na língua Mohawk, buscando trazer em todos os detalhes a autenticidade cultural do povo. Nossa protagonista, ainda, Kahhori, foi dublada por Devery Jacobs, atriz, escritora e diretora canadense Mohawk. Em alguns momentos do episódio, temos O Vigia narrando os acontecimentos na língua em que o áudio estiver configurado, e os personagens não pertencentes ao povo Mohawk falam em espanhol, já que representam os colonizadores que invadiram as terras Akwesasne (hoje conhecido como o interior de New York).


Kahhori junto ao seu povo (Imagem: Reprodução/Jamesons))

A equipe por trás da criação de Kahhori falou um pouco sobre o processo, tendo Doug George dito que estava animado para que os espectadores vejam o episódio.


“Ele conta uma história notável a partir de uma perspectiva Nativa-Mohawk que é verdadeiramente única e histórica, e dará aos espectadores uma perspectiva nova, desafiadora e divertida sobre os primeiros povos desta terra. A história é dramática, os personagens totalmente realizados e as sequências de ação são de tirar o fôlego”, diz George.

“O episódio é excepcional em outro sentido – é feito com a total cooperação do povo Mohawk, do diálogo ao adorno.” Acrescentou Little: “Tive um mentor de redação maravilhoso que trabalhou extensivamente com a comunidade indígena no interior do estado de Nova York, e fiquei animado para aproveitar essa experiência para construir um canto totalmente original do MCU, com histórias para novos heróis indígenas escritos a partir de um lugar de respeito pelas gerações passadas, mas de otimismo pelas gerações futuras. Kahhori, pronunciado 'KAH-HORTI', é um nome real do Clã Lobo, que significa 'ela agita a floresta' ou é alguém que motiva aqueles ao seu redor. Em sua aventura de estreia, Kahhori terá que fazer jus ao seu nome para recrutar aliados poderosos na luta para salvar seu povo e mudar o curso da história para sempre.”

Toda a empolgação e preocupação com a fidelidade da equipe é notória ao assistir o episódio. Confesso que não sou um grande fã de "What If...?", tanto pela limitação de ser uma animação que se propõe a tratar do multiverso, e por isso acaba se limitando às narrativas já contadas no MCU, quanto pela animação, que peca no design dos personagens. No entanto, o episódio “E se… Kahhori remodelasse o mundo?” foi um grato ponto fora da curva em relação ao produto completo.


Gostaria muito que a história de Kahhori e o povo dos céus tivesse sido contada em um filme ou numa série própria (tenho expectativas para que algo do tipo seja anunciado em algum momento), mas com um episódio de trinta minutos, sinto que eles conseguiram passar uma mensagem muito importante e que frequentemente é esquecida por grandes estúdios, e até pela própria Marvel, de dar voz ativa àqueles que estão sendo representados em tela.


Para a construção dessa nova realidade, o nível de consulta com especialistas na Nação Mohawk foi intenso. Eles colaboraram em todas as camadas da história, desde o nome dos personagens até as personalidades e suas vestimentas. Tudo para produzir um episódio que fosse fiel e respeitoso. E todo esse trabalho fica muito visível quando comparamos a outros personagens que sofreram e sofrem com whitewashing e outras falhas de representação na mídia.


Ao terminar o episódio, fiquei encantado com a riqueza de detalhes, simbolismos e referências históricas aos fatos ocorridos em nosso mundo. Costumam brincar na internet que uma coisa é "hit" quando consegue incomodar, e durante as discussões sobre o episódio na rede X (antigo Twitter), muitos espanhóis ficaram ofendidos com a representação dos colonizadores e da sua rainha. Isso nos faz refletir sobre como costumamos estar confortáveis em relação à visão de mundo que nos é ensinada e, às vezes, vivemos uma vida inteira sem buscar ou entender outros pontos de vista, algo que a história de Kahhori faz muito bem ao mostrar tanto a violência sofrida pelo seu povo como a sua força de lutar contra ela.


Enquanto vemos o episódio, fica claro que sua força e chamado para ação fazem com que a energia e o mundo por trás de seus poderes a tornem a escolhida a ter acesso a essa fonte da forma mais genuína. Ao fim do episódio, um paralelo é traçado com o seu nome, quando Kahhori oferece paz aos colonizadores e aos outros povos do mundo. Ela, de fato, poderia estar remodelando o mundo como conhecemos.



Para construção desse texto, assisti a uma análise bastante interessante do episódio pelo ponto de vista de Elias Gold, um youtuber que discute e analisa as representações indígenas em diversas formas de mídia, junto com reações e análises de (e para) indígenas. Caso fique interessade, dê uma olhadinha no vídeo dele: Unveiling Kahhori: Marvel's What If?


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