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The Boys e a ilusão do 'herói perfeito'

André Agueiro











Série disponível na Amazon Prime Video, "The Boys" finalizou sua 4º e penúltima temporada no último dia 17 deste mês de julho. Conhecida por sua representação não tão convencional de super-heróis e pelas cenas explícitas de gore, continua mantendo seu nível de qualidade mais uma vez de forma perspicaz, inserindo nossos protagonistas preferidos no contexto de eleições presidenciais dos Estados Unidos, trazendo reflexões acerca do controle de uma certa narrativa e como isso exerce um poder imenso em influenciar opiniões e preferências do público.


Assim como tudo no mundo capitalista, cada decisão tomada por uma marca é pensada para que se obtenha mais público, e consequentemente, mais vendas para seu produto. Obtendo este primeiro sucesso, é possível ir além, e até mesmo influenciar a opinião política da população em geral, dependendo de seu poder persuasivo. De maneira similar, a empresa Vought, responsável pela administração da carreira dos super-heróis na série, pensa de forma fria e calculada sobre cada passo deles, não os permitindo qualquer tipo de autonomia e independência.


A manipulação do público é fundamental para que a Vought mantenha seu controle midiático sobre a população. A atribuição de atos heroicos forjados e ensaiados previamente é essencial para que essa confiança do público nos heróis continue, garantindo assim a comercialização e a popularidade de outros produtos rentáveis para Vought, como os filmes e mercadorias que são propagados pela imagem do super-herói em destaque.

Num universo onde super-heróis não são novidade há mais de um século, ter a aptidão de controlar a aprovação da população para expandir seus interesses políticos é essencial, e é isso o que a Vought faz muito bem: qualquer tipo de situação, por mais contraditória que aparente, não é páreo para o time de contenção de danos da empresa, seja pela implantação de fake news, ou até mesmo na exposição de outro assunto mais polêmico, a fim de que as pessoas não reflitam muito sobre o acontecido e desviem o foco do que é importante. 


Nessa temporada, mais do que nunca, o foco da corporação é garantir que a candidata fantoche à presidência seja eleita, garantindo que o poder de Vought fosse praticamente soberano. Toda essa situação se complica ainda mais por dois motivos: Homelander, o herói mais amado do país, está no comando da empresa pela primeira vez, simplesmente por amedrontar qualquer pessoa ao seu redor, que têm medo de ser a próxima vítima. Starlight, que teve seu contrato com Vought rescindido por ser contra as diretrizes da empresa, inicia um movimento para expor a imperfeição da imagem quase perfeita que é criada para cada herói.



O mais intrigante disso tudo, é que Starlight foi, durante muito tempo, essa imagem de moral incorruptível da empresa. Desde ir a eventos cristãos até fingir relacionamentos, Starlight tentou tudo o que podia para que sua mensagem fosse de fato ouvida. No entanto, mesmo tendo já ganhado o título de “America’s sweetheart”, Vought consegue, mais uma vez, mudar a narrativa que construiu durante algum tempo, enquanto Starlight era mantida sob seu comando.


O modus operandi aqui é bem comum: um simples ocorrido se transforma numa complexa situação, qualquer movimento minimamente progressista tomado por Starlight é transmitido ao público como uma ofensa à “moral e aos bons costumes”. Homelander, quase como um guru messiânico, guia sua massa de seguidores como se fosse um ventríloquo num show de fantoches, dizendo o que for necessário para que não ele, e sim seus apoiadores, cometessem atos criminosos, mas que não fossem diretamente interligados à sua imagem. 


Enquanto a construção do herói abnegado, cheio de compaixão e empatia ao ser humano comum é de forma distorcida cada vez mais corroborada, a podridão de personagens como o próprio Homelander, mas de The Deep e Black Noir também, por exemplo, é perceptível por trás das câmeras, quando cometem atos homicidas sem nenhum tipo de remorso. 


Isso me levou a questionar mais ainda meus ícones máximos da música pop. Até que ponto o que eles nos mostram tem base na realidade? Toda a personalidade de uma celebridade é inventada para que aquele artista seja apresentado ao público de uma forma ou de outra? As intenções de artistas são de fato honestas, tendo respaldo em sua personalidade, ou foram criadas por um time de marketing para que houvesse apreço do público? A própria Starlight teve essa imagem de “mocinha bonita” e submissa propagada por muito tempo, até que decidiu se posicionar de fato pelo o que achava correto, e como num passe de mágica, ela foi demonizada até por convicções pessoais, que nada tinham a ver com sua imagem pública.



Uma coisa é certa após assistir a todos esses episódios: é importante não confiar cegamente em tudo o que é divulgado sobre a vida de alguém que admiramos e levamos como inspiração de vida. Talvez, em certa instância, você esteja satisfazendo justamente o desejo de um time de publicitários que se empenhou muito para atribuir aquela imagem a seu produto. E isso pode ser um dos principais erros que alguém pode cometer, visto que nota-se, com facilidade, em diversos lugares do mundo, o que acontece quando grupos extremistas ganham espaço para divulgarem livremente suas ideias retrógradas, que por sua vez ameaçam a existência de milhões de pessoas que sejam diferentes a esses ideais.

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2 Comments


(continuando...) mais que opinião explícita. Simplesmente ignoro aspectos da vida particular ou opiniões, cada um tem a sua.


Então, talvez parte do problema seja a própria falta de visão crítica e complexa pelo público, algo aliás que demonstra e incentiva tão bem em sua coluna. Seguir é mais fácil que pensar.

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André, ótima reflexão!


Se me permitr, gostaria de adicionar outra camada: precisamos seguir alguém? Ou: por que damos tanta importância "aos outros"?


Adoro o legado de Beethoven, a música é incrível e pouco me diz o fato de, segundo relatos históricos, ter sido uma pessoa de "difícil convívio". Apenas que com certeza não seria um modelo para mim.


Trazendo para agora, também sigo algumas (muito poucas) personalidades, mas são pessoas que transmitem conteúdo (ainda que, per si, reflitam aspectos ideológicos) mais que opinião explícita. Simplesmente ignoro aspectos da vida particular ou opiniões, cada tem a sua.


Então, talvez parte do problema é a própria falta de visão crítica e complexa pelo público, algo aliás que demonstra e incentiva tão bem…

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