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Xenomorfo, o horror invisível do sistema

Volnei Freitas












Há monstros que surgem das sombras, criaturas que vivem no limiar do desconhecido, ameaçando tudo que é humano. Como o xenomorfo, da franquia Alien. Porém, há de algo mais sombrio e aterrorizante nesta criatura: entre seu ciclo biológico, suas formas biomecânicas e ataques impiedosos, carrega a essência de um mal maior — força a se esconder nas estruturas do nosso cotidiano, consumindo-nos sem que a percebamos: o capitalismo em sua pura essência.


O terror não está no que o xenomorfo faz e sim no que representa, enquanto síntese de uma distorção perversa, metáfora de um sistema econômico que devora vidas, consome almas e cresce em fome insaciável. O terror pode estar na morte súbita da tela, mas o horror se expressa metaforicamente pela lenta e inevitável erosão de tudo que é humano.

Imagino o terror de ser invadido, ter meu corpo tomado por algo que não posso controlar e que terminará por me destruir. No facehugger, há o início de um ciclo brutal. Não mata de imediato; infiltra-se silenciosamente, impregna o corpo da vítima com a semente da destruição. Tampouco seleciona. Como no sistema, ao monetizar tudo, torna a todos parte da indistinta média, portanto, passíveis de uso. 


Um parasitismo invisível, o primeiro estágio de uma metáfora avassaladora: o capitalismo, com suas garras invisíveis, infiltra-se em cada aspecto da vida, sugando a vitalidade de seus integrantes, tornando-os hospedeiros de um sistema que se desenvolverá às suas custas. A inevitabilidade de ser parte de algo maior, não escolhido, que consumirá cada um de nós de dentro para fora.


E o ciclo não para. 



Em imagem visceral eclode do corpo do hospedeiro, rasgando-o de dentro para fora, explodindo seu peito, num espetáculo grotesco e sangrento. Dor e surpresa brutais; mais uma vítima do sistema que se alimenta de vidas, que direciona suas escolhas para a criação de riqueza e beneficia poucos no topo da pirâmide – por sua vez consumidos indiretamente pelo teatro de marionetes do status quo, valores e humanidade subjugados enquanto mantenedores, despersonalizando vítimas e vitimizadores, cujas identidades são moldadas pelo e para o sistema.


Após eclodir do corpo hospedeiro, o xenomorfo assume sua forma mais devastadora. Em pouco tempo, torna-se adulto, lembrando o ciclo de vida larval, incorporando a repugnância natural de parte da humanidade para com criaturas de si diferentes. Desta forma, o xenomorfo transfigura-se em perfeita máquina para matança e reprodução. Não há compaixão ou limites. Um predador incansável, de corpo negro e gélido, biomecânica animada como reflexo sombrio de um sistema econômico incontrolável. Como uma corporação, prospera sem ética ou empatia, a função-objetivo (lucro!) da criatura adapta-se e se expande, destruindo, consumindo ou fecundando tudo em seu caminho, sem quaisquer remorsos.


Eis o preço de sua inevitabilidade. O xenomorfo não pode ser negociado ou derrotado por métodos convencionais, enquanto produto final de um ciclo de exploração incessante. Como o capitalismo, cresce, sobrevive, prospera à custa das vidas que devora. E evolui: sempre volta, mais forte, adaptado e faminto.


Agora, se o xenomorfo é o monstro à espreita, a Weyland-Yutani Corporation é a presa perfeita, o títere que pensa ser o mestre das marionetes. Ela não apenas permite o terror; incentiva-o na expectativa de – adivinhem? – lucro. A presa fisgada não vê o xenomorfo como uma ameaça e sim como um recurso a ser monetizado. Assim como a criatura não tem limites na busca por sobreviver, a Weyland-Yutani também não hesita em explorar até o último recurso.


Eis o horror insidioso do capitalismo evoluído, em sua terceira ou quarta “re-gênese”: corporações que manipulam a realidade, incentivam o consumo desenfreado e exploram o medo (da solidão, da não aceitação, da invisibilidade social, da fome, do insucesso, da morte) para seus próprios fins, sustentadas pela indiferença das pessoas que aceitam sua forma de existência por estarem presas, enquanto hospedeiros, a este ciclo.


E, assim, o xenomorfo torna-se infindável. Mesmo em suspensão, quando a espécie é reanimada reproduz-se, adapta-se e retorna. Recicla-se, encontrando novas formas de exploração e novas vidas a consumir. No âmago desse ciclo, o verdadeiro horror: a sensação de que não há como escapar, que o sistema está sempre presente. E faminto.

Façamos uma menção, ao criador de seu visual, o artista H. R. Giger (1940 - 2014), que capturou tal essência em sua obra máxima como uma manifestação tangível de seus próprios pesadelos. A estética biomecânica do xenomorfo, misturando carne e máquina em um preto fetichista onipresente, reflete o desespero da fusão entre humanidade e sistema, em uma estética crescentemente excitante, erótica, de domínio e subjugação. Rápida, silenciosa, fatal e fálica, com garras, presas, cauda em lança e instintos supremos. 


A criatura de Giger é um reflexo distorcido de nós mesmos, de nossa selvageria presa em um ciclo de produção, destruição em função do consumo que não oferece trégua. Não apenas uma criatura assustadora, mas também a triste encarnação de um horror mais profundo que nos habita o peito. 


Uma das teorias sobre a criação da espécie especifica sua existência como uma barreira cósmica, deixada em um tempo imemorial por uma civilização avançada para que destrua outras civilizações que não estejam preparadas para, simplesmente, não tentar explorá-la econômica ou militarmente. 

Eis a grande ironia e a essência de seu horror: em síntese, o xenomorfo trata-se de uma solução ficcional para a metáfora que ele mesmo representa de forma brutal por um sistema vivo que a tudo e todos consome; uma civilização destruída pelo monstro que a própria criou, pensando poder controlá-lo. 

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