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É possível rir com a ficção científica?

Carolina Oliveira











À primeira vista, aproximar os gêneros comédia e ficção científica pode parecer uma parceria muito estranha, mas quando os localizamos em terras brasileiras e, especificamente no cinema, a dupla é muito mais comum do que parece.


Alfreddo Suppia, estudioso da FC no Brasil e em sua mais recente obra “Brazilian science fiction film: a critical history” (2024), dedicou o primeiro capítulo do livro às origens do gênero que, principalmente em suas “origens”, muito flertou com a comédia e a sátira. Ainda que os estudos apresentem uma visão parcial, já que a maioria das produções foram perdidas e a única forma de conhecê-las seja através das críticas em jornais, o termo “cômico-fantástico” era bem recorrente nos textos que descrevem os filmes da era silenciosa no Brasil.


Mas é por volta da década de 1940 que a combinação da FC com um gênero tipicamente brasileiro – a chanchada – acontece com um pouco mais de força. É na chanchada que a irreverência carnavalesca vai aparecer, conferindo um status a cultura popular e a música, e com isso, vai provocar e ridicularizar a elite cultural da época, fazendo-a na forma da paródia e do pastiche.


Dessa maneira, fica evidente que, a despeito dos temas mais sérios e profundos que ocupam o universo do gênero da FC, no Brasil e em seu recorte cinematográfico, suas configurações são diferentes –, o que não as fazem mais ou menos ficções científicas, mas histórias focadas em especificidades culturais, sociais e políticas de nosso país. Ou seja, rir, nesse contexto, também pode fazer parte da especulação.


Mas é de um filme em especial que eu gostaria de falar hoje. Talvez, não fale sobre ele da maneira devida ou como realmente gostaria, já que provavelmente nunca será possível vê-lo de fato: Carnaval em Marte (1952) de Watson Macedo, é um filme do qual nenhuma cópia sobreviveu. Na história, depois de um acidente, Dona Petrolina (Violeta Ferraz) sonha em ser a Rainha de Marte. Ao mesmo tempo, Marte está passando por uma epidemia em que os homens estão quase extintos. A Rainha de Marte (Petrolina em um papel duplo), lidera uma expedição feminina para o nosso planeta em pleno carnaval, buscando a possibilidade de dar continuidade ao seu povo e, chegando em meio a maior festa do país, a tripulação fica encantada.


Com críticas que apontam o filme como uma comédia comercial que, a princípio, não acrescenta nada ao gênero, ou como uma história que consegue escapar de certos clichês e trazer uma experiência “iminentemente brasileira”, Carnaval em Marte me parece rir de um discurso imperialista que quase sempre reitera a premissa de um alien invasor perigoso, desconhecido e colonizador.


Carnaval em Marte
Cena de "Carnaval em Marte" | Fonte: IMDB

Possível de ser comparado – até como inspiração – com o filme do soviético Yakov Protazanov, Aelita, Queen of Mars (1924), que importa a revolução russa para o planeta vermelho, Carnaval em Marte apresenta as “invasoras” como mulheres como nós (obviamente, sem os devidos atravessamentos no que se refere à raça, classe, sexualidade e outros marcadores de diferença), mas que utilizam o carnaval também para passar uma mensagem de paz e amizade.


Cartaz de "Aelita: a rainha de Marte" | Fonte: Filmow
Cartaz de "Aelita: a rainha de Marte" | Fonte: Filmow

Outros filmes que também bebem nessa mesma fonte da chanchada e que merecem atenção, já que se encontram disponíveis online, são O Homem do Sputnik (1959) de Carlos Manga e Os Cosmonautas (1962) de Victor Lima, ambas histórias se utilizam do riso para tornar a FC realizável em nosso país, pelo menos durante a década de 1950 e parte dos anos 1960. É claro que, atualmente, grande parte das piadas podem parecer deslocadas e até mesmo inaceitáveis para o nosso tempo, contudo, da mesma forma que a FC avançou de lá para cá, a comédia também passou por transformações profundas.


Se porventura Dona Petrolina ocupasse o cargo de Rainha de Marte hoje, talvez a importação de homens para Marte não fosse tão necessária – que a ciência nos ajude com isso! Mas com certeza a festa de carnaval ainda seria uma das mais solicitadas e encantadoras, afinal, rir ainda se apresenta como um bom remédio!

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